quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Divirtam-se! | Have fun!

Fiquem todos bem, minhas caras e meus caros!
Até breve! – C'est la vie
Prometo!


I wish you all, dear blogger friends, the very best!
I'll be away for a while; I'll be back as soon as possible.
Promise!

RIC

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

«Unforgettable»...


Unforgettable
That's what you are
Unforgettable
Though near or far

Like a song of love that clings to me
How the thought of you does things to me
Never before has someone been more

Unforgettable
In every way
And forever more
That's how you'll stay

That's why, darling, it's incredible
That someone so unforgettable
Thinks that I am unforgettable too

Irving Gordon

• Nat King Cole (1951-52)
• Dick Hyman Trio (1954)
• Dinah Washington (1959)
• Nat King Cole & Natalie Cole (1991)

RIC

terça-feira, 16 de outubro de 2007

O princípio de mais um fim

«De início, quase tudo parecia idílico. Não estou a tentar pintar por cima de tons mais ou menos sombrios com límpidas cores luminosas e enganadoras. Aliás, também não o fiz então. Não foi a manifestação rápida de diferenças essenciais que começou a ensombrar aquele primeiro Verão. Elas não separam necessariamente e, em alguns aspectos, são até bem-vindas. Mas para quem se revelara tão intensamente carnal, tão visceralmente sensual, o fogo da paixão esmoreceu depressa, e foi essa mudança que me perturbou e confundiu.

Nunca fui propenso a constantes e desvairadas exteriorizações afectivas, nem pródigo em repartir ternuras e meiguices, beijos e carinhos. Mas sei também que não sou excessivamente regrado nem abstrusamente puritano. Percorremos juntos caminhos inexplorados, abrimo-nos ao erotismo, descobrimos o que de bom e mau a Rede Mundial oferece, embarcámos juntos em aventuras inconsequentes de telessexo que, como dizias, acumula as vantagens do sexo comum com a impossibilidade de ocorrerem situações incómodas, inibidoras ou automatizadas, enfim, puro sexo mental pelo simples prazer da novidade e da diferença. Se o prazer é por definição solitário, então que resulte pleno da junção premeditada de solidões…

O sexo foi-se tornando uma actividade desbravada. E desbragada. O conhecimento mútuo dos corpos, dos desejos secretos que calavam e dos caprichos intempestivos que se levantavam como vigorosos vendavais e só se aquietavam no instante do supremo gozo, foi-se apurando como se de uma iguaria cozinhada em lume brando se tratasse. Sem que alguma vez o tivesses notado ou sequer pressentido ou suspeitado, um estranho sentimento de irremediável perda foi-se insinuando em mim de uma forma cada vez menos suportável, como se a cada ejaculação ficasse mais perto da morte. Uma estranha bizarria no meu horizonte, consequência provável de uma idade que exige mais do que apenas a satisfação do desejo. No meu espírito foi-se instalando com firmeza a incómoda e absurda sensação de sémen desperdiçado, malbaratado, da inutilidade daquela actividade fora do contexto – inconfessável e impossível – de querer trazer ao mundo um novo ser, de garantir descendência, de procriar. Evitei e impedi como pude a proliferação destes pensamentos, frutos serôdios de um campo da vida há muito já em pousio.


Pode-se afinal muito pouco contra a força avassaladora da Natureza que, tarde ou cedo, se nos impõe como desígnio supremo da existência. Todo o racionalismo é pouco, débil e recente, ante a ancestralidade inconsciente da função vital. E combati como pude a crise, a meu ver, de meia-idade, aventurando-me lautamente por uma geografia da qual, até então, só conhecia as coordenadas básicas.

De início, havia todas as cores de todos os afectos e de todas as emoções a devolverem-me sentimentos de plenitude que pareciam há muito esgotados, sentia uma indómita vontade de te agradar e de secretamente realizar desejos teus apenas adivinhados. Palavras e actos concordavam e coincidiam. Mas, à medida que o esplendor estival se foi perdendo, a atmosfera idílica começou a adensar-se e as cores límpidas e transparentes ganharam matizes obscuros. Chegado o Outono, pouco faltou para que estabelecesses um calendário e um horário rígido, e qualquer iniciativa que quebrasse aquela rotina sub-reptícia, férrea e nunca negociada, era por ti mal recebida e tornava-se alvo de objecções inconsistentes, para mim, incompreensíveis. Ainda assim, o primeiro ano ainda manteve algum do esplendor daquele Verão e em nada se pode comparar ao que veio depois.

Havia paixão intensa, e creio hoje que um amor equilibrado poderia ter-lhe sucedido. O convívio contínuo não pode satisfazer-se apenas com insistentes trocas de carinhos e meiguices. Isso não passa de proximidade física. Os seres, mesmo os amantes, conversam, comunicam e comunicam-se nos interesses que perseguem e nos assuntos de que falam, tanto os triviais como os que os empolgam. As nossas conversas foram emudecendo e os nossos interesses foram-se revelando cada vez mais divergentes, opostos e incomunicáveis. Cada frase que proferia fazia-a preceder de um «olha», ainda que os nossos olhares não se desprendessem um só instante. Achava que um só «ouve» que eu dissesse poderia ter o indesejável efeito de tornar a conversa muito mais séria, muito mais grave. Quanto mais desentendido me fizesse, menores seriam as possíveis consequências nefastas da conversa. Ou da desconversa. Não se pode falar, a toda a hora e a todo o instante, do tempo que faz lá fora, do carro novo que um vizinho exibiu ou das compras de supermercado que há que fazer. E todas as conversas que tentavam ultrapassar o limiar da mera banalidade, da trivialidade comezinha e poderiam ir construindo outro tipo de proximidade, uma verdadeira intimidade, foram sendo adiadas sempre para mais tarde, sempre para depois. Para nunca. Quando havia que falar de nós, só mil cuidados impediam que o caminho seguido fosse invariavelmente o mesmo. E o silêncio foi ganhando terreno.»

RIC

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Climate change & biodiversity…


United Nations Environment Programme
Key Polar Centre

«Climate change is impacting biodiversity at a global and unprecedented scale.
The Arctic region is hit particularly hard. It is already warming 2 to 2.5 times faster than the global average, due to a thinner atmosphere and several positive feedback responses.
Changes in the Arctic will have major repercussions for all other global regions through changes in the hydrological cycle, the weather cycle, the carbon cycle or atmospheric changes, but also by impacting its unique biodiversity.
Many Arctic species are migratory, connecting the entire globe by their annual migration routes of billions of migratory birds, marine mammals and fish.
The changes in the Arctic region will determine the future of its major wealth in ecosystem goods and services, mostly its natural resources, marine and freshwater fish and terrestrial reindeer. They all provide vital income for the peoples of the North and to a large extent to the global community as a whole.
Its unique location in still largely pristine wilderness and little direct human impacts allow the Arctic region for monitoring the impact of climate change and industrial development on biodiversity in a less complex ecosystem, providing us with an early warning system of what is likely to happen to our near future.
Arctic biodiversity and ecosystems are an ideal test case for measuring progress towards the Convention on Biological Diversity's 2010 target to significantly reduce the rate of biodiversity loss by 2010, a barometer for the state of biodiversity.
The Circumpolar Biodiversity Monitoring Program is part of the International Polar Year initiative, which creates a huge scientific focus on the Polar regions, generating the attention to the vulnerable status of both poles. More than 100 projects focus on the Arctic region.


Arctic biodiversity is more than just the Polar Bear. This charismatic Arctic predator has been the focus of the media, rightly reporting on the sombre destiny of the largest predator on Earth. It will suffer severely if the sea ice continues to disappear in many areas of the Arctic. But little has been mentioned on the fate of other Arctic species, namely the following four.

● The charismatic, solely Arctic Ivory Gull pagophila eburnea is living entirely in High Arctic marine seas, closely associated with the Polar Bear, which it follows, scavenging on leftovers on the ice edge. Its entire life cycle is intimately linked with sea ice and the rare gull is potentially severely threatened by the disappearance of the sea ice.

● The Reindeer and Caribou rangifer tarandus are the most dominant large mammal species in the Arctic, living in every Arctic country, mostly in the tundra. They provide the major source of income for many local people in the Arctic, depending highly on the thriving of their huge populations. Climate change may have severe impacts on the future of this valuable element of Arctic ecosystems.

● Polar regions are home to 70% of all global freshwater, most of it stored in the ice sheets of Antarctica and Greenland, but the Arctic region contains the largest amount of freshwater available for biodiversity. Huge peatlands and tundra wetlands lie in the Arctic region, and Arctic rivers altogether discharge more than 4,600 km3 into the Arctic Ocean every year. Many of them belong to the largest ten rivers on Earth, hardly impacted by dams or any other human impacts, allowing a huge diversity of freshwater fish to thrive in their streams. The Arctic Char salvelinus alpinus is the most northerly distributed freshwater fish and a characteristic representative for this unique biome.

● The large majority of all Arctic vertebrates are migratory. Arctic breeding birds are connected with virtually every corner of the globe – apart from the Antarctic ice sheet – through the annual migration of birds, whales, fish and even reindeer and caribou. The Red Knot calidris canutus is one of the most fascinating globetrotters. In winter the High Arctic breeder can be found in South and West Africa, South America, India, Australia and New Zealand. However, four out of six populations are presently in decline, some sharply, and for two the trend is unknown.


These, like many other population trends from the Arctic regions, are alarming signals of changes in the Arctic ecosystems, which should alert us all. We still do not know the trend for many populations of Arctic biodiversity and we still know far too little as well to fully understand the root causes of these trends.»

Do you still believe never-ending economical growth rates are more important?
I don't! Not anymore!

RIC

domingo, 14 de outubro de 2007

Anexins de trazer por casa…

• A capacidade de contar uma história acintosamente inventada é o que mais nos aproxima da infância, sempre cada vez mais fugidia, numa memória cada vez mais escusa.

• Se o hábito não faz o monge, tão-pouco o milagre faz o santo.

• Se acaso conseguisse agora compenetrar-me de que estou nesta vida por algum desígnio especial que me acompanharia até ao meu derradeiro instante neste mundo, em que é que isso doravante modificaria a minha existência?


• O neoproletariado licenciado e doutorado é uma inegável aquisição do capitalismo selvagem.

• Agrada-me que pensem que não sou flor que se cheire ou que tenho mau feitio; é a defesa ideal de ataques que desnecessariamente me consumiriam.

• A insustentável ganância do crescimento económico ad infinitum conduz inevitavelmente ao colapso do processo e, com ele, do próprio sistema; não é necessário ser marxista para o prever.

sábado, 13 de outubro de 2007

De pulchritudine…

Estátua

Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, – frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.

Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.

E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado…

Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.

Clepsidra
Camilo Pessanha


Song of the Bronze Statue

Gone that emperor of Maoling,
Rider through the autumn wind,
Whose horse neighs at night
And has passed without trace by dawn.

The fragrance of autumn lingers still
On those cassia trees by painted galleries,
But on every palace hall the green moss grows.

As Wei's envoy sets out to drive a thousand li
The keen wind at the East Gate stings the statue's eyes…

From the ruined palace he brings nothing forth
But the moonshaped disk of Han,
True to his lord, he sheds leaden tears,
And withered orchids by the Xianyang Road
See the traveller on his way.

Ah, if Heaven had a feeling heart, it, too, must grow old!
He bears the disk off alone
By the light of the desolate moon,
The town far behind him, muted its lapping waves.

Li He
Chinese classical poet
9th century A.D.


RIC

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Doris Lessing – LNPW (*) 2007


(*) Literature Nobel Prize Winner

She was described as «that epicist of the female experience, who with scepticism, fire and visionary power has subjected a divided civilisation to scrutiny».

Exposing the Extraordinary in the Ordinary

«Doris Lessing's career shows that a strict pattern of formal schooling is not the only way to success. Lessing was born in Persia (now Iran), to British parents, but her family moved to Southern Rhodesia (now Zimbabwe) in hope of a better future. However, that future never really materialized and Lessing's childhood was difficult. She ended formal schooling at fourteen, largely educating herself through voracious reading, and left home at fifteen. A lifelong critic of colonialism and racism, she eventually moved to London in 1949.

Given that Lessing has many points of origin, it is perhaps not surprising that she can create such an intense sense of place in her writing. She has written over fifty books, starting with The Grass is Singing, set in Africa, and her output includes novels, short stories, a graphic novel, plays, non-fiction, and two operas with Philip Glass.

Possible starting points for readers unfamiliar with her work might be the Martha Quest-series of novels and Time Bites, a collection of essays published in 2004. In the 1980s, she published two novels under the pseudonym Jane Somers, to prove just how difficult it is for an unknown name to get their work published: both novels were rejected by Lessing's usual publisher!

Lessing has said that writing enables her to take something that is raw and unexamined and give it general significance. Her writing is clearly in the tradition of Dickens, Tolstoy and Dostoyevsky, the writers she read as a teenager, with its strong ethical focus and engagement with society. Indeed, perhaps her most famous novel, The Golden Notebook, a dissection of a woman's psyche which is torn between emotional, social and creative demands, has been very influential on feminism.

Writing, Lessing says, also gives her freedom – a freedom revealed in her willingness to probe conventions, to give voice to the repressed, dismissed, and inarticulate, but also displayed in her willingness to experiment. She has mixed high literature with more popular forms, like science fiction, and has daringly employed strange combinations of time-schemes, perspective, allegory, and naturalism in an attempt to access what she sees as the deeper reality of mysticism, dreams and even madness.

Describing her perspective on her own life as constantly changing, Lessing always remains open to new ideas and possibilities.»

Georgia Brown, for Nobelprize.org

… I just adore an old woman's smiling face!
Congratulations, dear Doris!

RIC

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

«A Ronda da Noite» - Rembrandt van Rijn

Rembrandt Harmenszoon van Rijn
Leiden, 1606 - Amesterdão, 1669

Em 1638, Maria de Médicis, ex-rainha de França exilada na República das Províncias Unidas, é recebida em Amesterdão. O capitão Frans Banning Cocq, Senhor de Purmerlandt e do Ilpendam, e o tenente Willem van Ruytenburgh, Senhor de Vlaerdingen, pretendem fazer-se retratar na companhia da sua milícia de artilheiros, os Kloveniers – os arcabuzeiros. Eis o pretexto para Rembrandt Harmenszoon van Rijn criar mais uma obra-prima entre as muitas que entretanto atestam já o seu prestígio de excelente retratista.

Nos Países Baixos do século XVII, o retrato cívico é uma tradição já com dois séculos, mas o génio do pintor, ao invés de a desvirtuar, vai conferir-lhe aquele sopro de vida que caracteriza e distingue a sua pintura. Em vez da representação tradicional do grupo em filas paralelas ou sentado à mesa do banquete anual, é em plena acção que o grupo parece ser surpreendido, como se de um instantâneo se tratasse. Daí o nome indevido de A Ronda da Noite pelo qual desde logo se torna célebre, ainda que o seu exacto título seja A Companhia do Capitão Frans Banning Cocq e do Tenente Willem van Ruytenburgh. O excesso de verniz, que manteve a tela escurecida até 1947, contribuiu para reforçar a ideia errada de uma cena nocturna.

De Nachtwacht, 1642, Rijksmuseum Amsterdam

Apesar dos cortes laterais, superior e inferior que sofreu no século XVIII, o quadro a óleo sobre tela é ainda uma obra de grandes dimensões – 363 × 437 cm. A simetria do plano de fundo, onde se situa a porta pela qual a companhia vem saindo para o exterior, é ainda sustentada pela disposição algo simétrica dos dezasseis milicianos, embora o claro-escuro impossibilite a simetria perfeita. Ela é, porém, desfeita pela presença do capitão e do tenente à direita do centro, o que confere tensão ao quadro. O olhar é levado a deslocar-se um pouco para a esquerda, na direcção em que ambos caminham. E esta sensação de movimento comunica-se às restantes figuras que são captadas em diferentes momentos de acção: preparando-se para disparar, disparando e depois de disparar. A alternância de luz e sombra intensifica ainda mais a impressão de movimento, de acção, de vida, e a atenção prende-se às figuras mais importantes – o capitão e o tenente –, graças à intensa luz descendente que os destaca.

O carácter simbólico de alguns elementos desempenha um papel decisivo na identificação da companhia dos Kloveniers. A rapariga é uma espécie de mascote. Presa à cintura traz uma galinha, cujas unhas (klauwen, em Neerlandês) aludem ao nome da companhia, e na mão segura o corno das libações rituais. A pistola por trás da galinha representa o arcabuz. E o arcabuzeiro em frente da rapariga tem um capacete enfeitado de folhas de carvalho, um motivo tradicional da companhia. Um último pormenor subtil permite identificar a companhia como sendo de Amesterdão: na lapela da jaqueta do tenente vêem-se as três cruzes pertencentes às armas da cidade.

Os arcabuzeiros estão em movimento, falam uns com os outros e empunham as armas, e o capitão dá ordens ao tenente para a companhia marchar. É este dinamismo que torna A Ronda da Noite um quadro inovador e radicalmente diferente de todos os outros quadros de milícias cívicas. A mão do capitão e a arma do tenente, em primeiro plano, parecem sair da superfície da tela, graças à perícia pictórica de Rembrandt. Ambas contribuem para a cabal identificação das figuras: o gesto com a mão que dá a ordem inicial distingue o capitão, e a partazana simboliza o posto do tenente, na sequência de uma tradição medieval. O bordão que o capitão segura é também um elemento de identificação da patente, bem como as alabardas que os sargentos empunham.

As cores e as tonalidades, vibrantes e luminosas, além de distinguirem o plano anterior dos restantes, contribuem para realçar as figuras do capitão e do tenente, retratados com minúcia e apresentados com os ricos trajos que individualizam as suas patentes: o capitão, de negro e ostentando uma faixa vermelha, e o tenente, de amarelo dourado. Os planos posteriores, mais sombrios e pouco coloridos, criam um magistral efeito de contraste que, por si só, torna o quadro uma obra-prima.
Rembrandt encaminha-se para a maturidade absoluta precoce, que atinge antes de qualquer outro pintor de génio.

RIC

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Sly, bright shining eyes...

«Giving him all your love is never an assurance that he will love you back.
Do not expect love in return – just wait for it to grow in his heart.
But if it happened not to, be content that it did grow in yours.»


I believe I finally found out why I've always loved and cherished kittens and cats so much all my life…

Have a look and then tell me your opinion!





Lia, Montréal, Canada






I too need – and deserve, I guess – some time off every now and then.
I just cannot go on reading and writing the whole time through, can I?
I need to give my eyes some… quality rest, wouldn't you say?…
Enjoy it all lavishly!

RIC

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Da polémica filosófica…







Les grandes querelles entre philosophes
Des bienfaits de la controverse

Par Jean-Louis Hue

L'art de la polémique remonte à la plus haute Antiquité. «Polemos (le conflit) est le père de toutes choses et le roi de toutes choses», affirmait Héraclite. Toute l'histoire de la philosophie grecque peut se résumer à une succession de disputes. Oscillant entre débats théoriques et attaques personnelles, entre réfutation et invective, cette pratique de la controverse, longuement rodée dans les dialogues platoniciens, n'a cessé d'échauffer les philosophes.
Au milieu du XIXe siècle, Schopenhauer en reformulait les règles et les ruses dans un court traité, joliment intitulé «L'Art d'avoir toujours raison». Énumérant trente-huit stratagèmes, le philosophe enseignait comment avoir raison à tout prix en sapant les arguments de l'adversaire et en se montrant de plus mauvaise foi que lui. Après avoir suggéré maintes astuces, feintes et pro­vocations, Schopenhauer conseillait comme ultime recours l'attaque ad personam, en se montrant «désobligeant, hargneux, offensant, grossier».
Ce dossier du Magazine littéraire se fait l'écho des invectives, insultes, railleries et injures diverses que se sont lancées les philosophes durant deux millénaires.
On nous reprochera peut-être de rapporter des chamailleries parfois dignes d'une cour de récréation. «Les polé­mistes me dégoûtent», disait Bernanos, se repentant des éreintements dont il accabla tant de ses contemporains. La polémique, quand elle relève de la manie, est vaine, voire dégradante. Mais elle sait être salutaire quand elle surgit avec à-propos pour aviver le débat. Elle s'apparente alors à une joute où il s'agit moins de terrasser l'adversaire que d'enrichir une réflexion commune.
Ce dossier se veut une illustration du bon usage de la dialectique. Il retrace par le menu les duels les plus fameux, et les plus féconds, de l'histoire de la philosophie. «La controverse est souvent bénéfique à l'un comme à l'autre, du fait qu'ils frottent leurs têtes entre elles, et sert à chacun d'eux à rectifier ses propres pensées, et aussi à concevoir des vues nouvelles», conclut dans son traité Schopenhauer qui, décidément, avait l'art d'avoir toujours raison.



Arthur Schopenhauer

As grandes querelas entre filósofos
Benefícios da controvérsia

A arte da polémica remonta à mais Alta Antiguidade. «Πόλεμος – pólemos – (choque, conflito, tumulto, combate, batalha, guerra) é o pai de todas as coisas e o rei de todas as coisas», afirmava Heraclito. Toda a história da filosofia grega pode resumir-se a uma sucessão de disputas. Oscilando entre debates teóricos e ataques pessoais, entre refutação e invectiva, esta prática da controvérsia, longamente rodada nos diálogos platónicos, não cessou de aquecer os filósofos.
Em meados do século XIX, Schopenhauer (Danzig/Gdansk, 1788 - Frankfurt am Main, 1860) reformulava as regras e os artifícios num curto tratado, belamente intitulado «A Arte de Ter Sempre Razão» (Die Kunst, Recht zu behalten). Enumerando trinta e oito estratagemas, o filósofo ensinava como ter razão a todo o custo, minando os argumentos do adversário e mostrando-se de ainda mais má-fé do que ele. Após sugerir muitas astúcias, fingimentos e provocações, Schopenhauer aconselhava como recurso final o ataque ad personam, mostrando-se «desagradável, intratável, ofensivo, grosseiro».
Este dossier do «Magazine Littéraire» faz eco das invectivas, insultos, zombarias e ofensas diversas que os filósofos se fizeram durante dois milénios.
Censurar-nos-ão talvez por apresentar discórdias dignas por vezes de um pátio de recreio. «Os polemistas desagradam-me», dizia Bernanos, arrependendo-se dos assédios a tantos dos seus contemporâneos. A controvérsia, quando releva da mania, é vã, até mesmo degradante. Mas pode ser salutar quando surge com o propósito de avivar o debate. Assemelha-se então à uma justa em que se trata menos de arrasar o adversário do que de enriquecer uma reflexão comum.
Este dossier pretende ser uma ilustração do bom uso da dialéctica. Reconstitui ao pormenor os duelos mais famosos e mais férteis da história da filosofia. «A controvérsia é frequentemente benéfica tanto para um como para outro, pelo facto de esfregarem as cabeças entre si, e serve para que cada um rectifique os seus próprios pensamentos, e também conceba novas visões», conclui no seu tratado Schopenhauer que, decididamente, tinha a arte de ter sempre razão.

Tradução de RIC

Pelos vistos, quando se trata de uma gorda e sumarenta polémica, nem mesmo os sábios e sensatos (!) filósofos se inibem de arriar a giga e armar um espaventoso Cais do Sodré!
Mas ainda vai havendo quem confunda saber com civilidade e boas maneiras…
E os políticos de hoje estão, de certezinha, bem mais interessados em ter sempre razão do que em conhecer a filosofia ou a ciência política. Chamam a essa sua atitude «serem pragmáticos»… São, não são?
O referido Schopenhauer, por exemplo, perorava amiudadamente sobre o pessimismo e o suicídio… após um lauto repasto – à conta do anfitrião, bem entendido!

Schopenhauer, Arthur - Die Welt als Wille und Vorstellung, 1859, 3.ª edição

(O Mundo como Vontade e Representação).
Esta é a sua obra de referência.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

De Camões dois sonetos...

Memória de meu bem, cortado em flores
Por ordem de meus tristes e maus fados,
Deixai-me descansar com meus cuidados
Nesta inquietação de meus amores.

Basta-me o mal presente e os temores
Dos sucessos, que espero infortunados;
Sem que venham, de novo, bens passados
Afrontar meu repouso com suas dores.

Perdi numa hora junto quanto em termos
Tão vagarosos e largos alcancei;
Deixai-me, pois, lembranças desta glória.

Cumpre acabe a vida nestes ermos,
Porque neles com meu mal acabarei
Mil vidas, não uma só, dura memória!


Um belíssimo fado, todo ele enlevo, na voz de Amália.


O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo a sua vida,
Música, com voz alta e mui sentida
Levanta por a praia inabitada.

Deseja ter a vida prolongada,
E dela está chorando a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim eu, Senhora minha, quando via
O triste fim que davam meus amores,
Estando postos já no extremo fio,

Com mais suave canto e harmonia
Descantei, por os vossos desfavores,
La vuestra falsa fe, y el amor mío.


… Poesia das subidas esferas
Para deleite das almas inquietas…

RIC

domingo, 7 de outubro de 2007

Astrological charts...


«Your battle cry is Peace and harmony at all costs. You generally have good taste in music, art and literature. At times you can be vain and lazy…

You require strenuous situations in order to grow and mature properly, even though you try to avoid them. Affectionate, even-tempered and slow to anger, when you do become emotionally upset, you are also slow to forgive, and time must pass before your calm returns.

Very loving and affectionate, you prefer a steady, patterned way of life. Patient, calm and steadfast, you are not easily upset. You tend to be a slow starter and a slow mover – others may try to rush you, but they will never succeed. Emotionally, you are quite stubborn – your attitudes about people and things were firmly set in your youth and will change very little as an adult.

Very quick-witted, you are known for being an independent thinker. At times, however, you act too fast on hastily formed opinions and thus waste a lot of energy defending your rash and sometimes incorrect conclusions. It is perfectly acceptable for you to defend your beliefs with your usual vigour.

You are friendly, warm and open-minded toward others. You love variety in relationships, indeed you may even prefer to maintain more than one relationship at a time…

Your moods are very important to your overall well-being. You are confident and self-assertive when you are feeling cheerful, and you are retiring, irritable and grumpy when you get depressed about anything. Very sensitive, you wear your heart on your sleeve. You are easily angered whenever you think someone has affronted you. You're extremely loyal and defensive of your family, neighbourhood, community and culture.

You love to dig deep beneath surface appearances in order to find out what is really happening. A persistent researcher, you are very interested in the psychology of any situation. You must learn to try to communicate as best you can because what you know is really very valuable to others.

Very serious-minded and mature, you have the ability to take on responsibilities and to carry out important duties. A good organizer, you are the ideal one to be counted on to take a clearly defined project through to its logical conclusion. An achiever, you pride yourself on your ability to focus your attention totally on some worthy goal and then attain it.

You demand complete and total freedom of self-expression. You want to make your mark in the world according to your own lights and will accept no interference from traditional authority figures. You are honest and forthright, but a bit offbeat and eccentric. The lack of self-discipline may hinder you from reaching your goals as quickly as you would like.

You find it very difficult to be comfortable being alone – you would much prefer to be in an environment where many people are working together toward common goals. You have the gift of being able to ease tensions just by your mere presence. You're the perfect team player willing to sacrifice your own importance so that the group goal can be accomplished. But you have personal private needs too that should not be neglected…»


Here are the results of an astrological séance…
Even if I don't care much for astral charts and horoscopes and stuff of the kind, I do admit, however, the conclusions in this report do strike me as quite accurate… So I guess this is another open window onto me. Enjoy the glimpse!

RIC

sábado, 6 de outubro de 2007

«Je est un autre.» Arthur Rimbaud

[De la lettre dite "du Voyant" à Georges Izambard]

«Charleville, 13 mai 1871.

Cher Monsieur!

Maintenant, je m'encrapule le plus possible. Pourquoi? Je veux être poète, et je travaille à me rendre Voyant: vous ne comprendrez pas du tout, et je ne saurais presque vous expliquer. Il s'agit d'arriver à l'inconnu par le dérèglement de tous les sens. Les souffrances sont énormes, mais il faut être fort, être né poète, et je me suis reconnu poète. Ce n'est pas du tout ma faute.
C'est faux de dire: Je pense: on devrait dire: On me pense. – Pardon du jeu de mots. –
Je est un autre. Tant pis pour le bois qui se trouve violon, et nargue aux inconscients, qui ergotent sur ce qu'ils ignorent tout à fait!»


[Excerto da carta dita "do Vidente" a Georges Izambard]

Charleville, 13 de Maio de 1871

Caro Senhor!

Agora, torno-me um crápula tanto quanto possível. Porquê? Quero ser poeta, e trabalho para tornar-me Vidente: não compreenderá de forma nenhuma, e eu quase não saberia explicar-lhe. Trata-se de chegar ao desconhecido pelo desregramento de todos os sentidos. Os sofrimentos são enormes, mas é necessário ser forte, ter nascido poeta, e eu reconheci-me poeta. Não é de forma alguma culpa minha. É falso dizer: Eu penso: deveria dizer-se: Pensam-me. – Perdão pelo jogo de palavras. –
Eu é outro. Tanto pior para a madeira que se descobre violino, e desprezo aos inconscientes, que discutem sobre o que ignoram completamente!


O motivo mais interessante para trazer aqui Rimbaud seria decerto a sua poesia. Porém, este preâmbulo tem a sua razão de ser, antes de aqui trazer, por exemplo, «Le bateau ivre».

Por um lado, o cerne deste excerto é título de uma fotografia «distante» que figura aqui, na barra lateral deste blogue. Houve quem já tivesse manifestado alguma perplexidade, pelo que espero este édito possa esclarecer dúvidas remanescentes.

Por outro, há muito que a célebre frase fez História. No mundo das «artes poéticas» nascidas com os Gregos, e até aos dias de hoje, muitos têm sido os poetas que têm apresentado os seus «programas» ou as suas «receitas» para a poesia: de um simples poema programático a verdadeiros tratados que são hoje clássicos indispensáveis aos estudos literários.

«Je est un autre» é, para a época, a declaração radical do «eu» cindido, isto é – e sem entrar em considerações mais complexas –, o poeta descobre e aceita que há nele várias vozes que falam através dele. Assim, «eu sou» pode também ser «eu» é outro que me pensa. Daí, o referido trabalho para tornar-se vidente após ter-se reconhecido poeta.

«Eu é outro» – um paradoxo – o pronome que designa aquele que fala, aquele que julgamos conhecer melhor, seria – a crer em Rimbaud – outro. O sujeito nunca é, segundo Rimbaud, idêntico a si mesmo. Existe apenas no movimento que o faz diferir de si: transforma-se constantemente.

A metáfora que se segue a esta fórmula permite precisar-lhe o sentido: da madeira ao violino há toda a diferença que separa o material bruto, a matéria-prima, do instrumento de música. A transformação da madeira remete para a do sujeito, chamado a tornar-se outro e a enriquecer-se com esta aventura.

Eis o que ignoram os inconscientes, que as promessas desta metamorfose deixam indiferentes e que preferem continuar reféns da lógica da identidade.

RIC

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Contra os novos Cabrais…

«Em 1842 é instaurado um regime político, por muitos considerado despótico, liderado por António Bernardo da Costa Cabral, um dos chefes do movimento constitucionalista, e apoiado, entre outros, pelo seu irmão José Bernardo da Silva Cabral, 1.º conde de Cabral (daí a alcunha popular de governo dos Cabrais ou cabralismo).

A revolta inicia-se na zona de Póvoa do Lanhoso, no Minho, com uma sublevação popular que se foi estendendo progressivamente a todo o Norte. A instigadora dos motins terá sido uma mulher do povo chamada Maria, natural da freguesia de Fonte Arcada, que por isso ficaria conhecida pela alcunha de Maria da Fonte.



Maria da Fonte, Lisboa

Nessa época, o maestro Angelo Frondoni compõe um hino popular que fica conhecido pelo nome de «Hino da Maria da Fonte» – ou «Hino do Minho» –, obra patriótica que respira entusiasmo aguerrido, tem larga divulgação, será por muito tempo (segunda metade do século XIX) o canto de guerra do Partido Progressista e quase chega a ser aceite, pela generalidade da população, nos últimos tempos da monarquia, como hino nacional.»

Viva a Maria da Fonte
Com as pistolas na mão
Para matar os Cabrais
Que são falsos à nação.

Eia avante! Portugueses!
Eia avante! Não temer!
Pela santa Liberdade,
Triunfar ou perecer!

Viva a Maria da Fonte
A cavalo e sem cair
Com as pistolas à cinta
A tocar a reunir.

Lá raiou a liberdade
Que a nação há-de aditar
Glória ao Minho que primeiro
O seu grito fez soar.

Em exortação às mentes progressistas inconformadas!

RIC

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Era uma vez...

PRIMEIRA VOZ
Allegro vivace con brio


A meio de uma tarde de um Julho já distante, um Boeing 737 aterrava em Frankfurt, proveniente de Lisboa. Um meio-dia quente e abafado deu lugar, três horas depois, a uma atmosfera luminosa, leve e suave, como se uma chuva fresca tivesse lavado o ar, deixando-o cristalino. A mudança foi excessiva e perturbou-me. Era o meu baptismo de voo, e a excitação do momento foi suficiente para provocar uma euforia mais ou menos controlada e um fascínio quase incondicional pelas maravilhas da ciência e da técnica.

O momento em que desembarquei e dei comigo no edifício do aeroporto é o instante mais vívido de todas as experiências daquele Verão. De repente, Flughafen, conquanto significasse aeroporto, passou a identificar Frankfurt am Main, o que não era o mesmo que aeroporto, desde então sinónimo de Portela de Sacavém. Era como se o próprio espaço estivesse distorcido e fossem outras as dimensões. As deslocações no interior do aeroporto sem as passadeiras rolantes são impensáveis, tais as distâncias entre os terminais. Se a Portela de Sacavém era um aeroporto, então Frankfurt am Main não o era. Definitivamente.

E eram também outras as gentes. O 25 de Abril abrira Portugal ao exterior e o «orgulhosamente sós» era já assunto pretérito, mas naquele ano começavam a visitar Portugal apenas os mais afoitos. O 28 de Setembro e a Maioria Silenciosa, o 11 de Março e o Verão Quente, o PREC e o 25 de Novembro não foram propriamente engodos para turistas. Portugal era ainda visto com olhos que deixavam transparecer alguma suspeita, sobretudo por causa da longa guerra colonial, que matara e estropiara muitos jovens e obrigara outros, os ditos refractários e desertores, a partirem e a refugiarem-se noutros países, sobretudo em França, na Suíça, Bélgica, Holanda, Suécia e no Reino Unido. Ainda não era fácil estabelecer contactos com estrangeiros. Alguns meses após ter regressado a Portugal, tive a primeira oportunidade de conhecer estrangeiros em Lisboa. Eram alguns dos novos correspondentes de jornais ingleses e holandeses.

Em Frankfurt, porém, era o mundo em doses bem sortidas e bem aviadas que era servido ao olhar arregalado, provinciano até, do adolescente que a cada passo ia percebendo cada vez menos a razão de ser do abismo entre ambas as realidades. O espanto era tal que, em certos momentos, pensei que não caminhava sobre a mesma Terra que deixara para trás três horas antes. Foi naquele momento que compreendi o verdadeiro significado de algumas passagens de Os Maias que tanto me tinham fascinado. Sem que o pensasse, sentia que acabara de chegar, não de uma capital europeia, mas de um qualquer lugar remoto dos confins do mundo. E o choque aumentava a cada instante. Desmesuradamente.

Os ruídos, esses eram também bem diferentes. Num espaço tão movimentado, onde sem interrupções se cruzavam milhares de pessoas em grupos compactos, o pasmo estampado na minha cara seria visível de longe. Tanta gente e tanto silêncio. À medida que ia atravessando aquela Babilónia, olhava estupefacto através das enormes vidraças. Aterravam e descolavam aviões, uns atrás dos outros, como se o aeroporto fosse uma paragem de autocarros no centro de uma cidade. Por muito que olhasse além dos limites do aeroporto – condicionado pelo hábito muito português de que «tudo está ao lado de, se não estiver dentro de» – nada cheguei, porém, a ver da cidade de Frankfurt. Só viria a visitá-la anos mais tarde. Ponho sérias reservas à actual evolução para o gigantesco e acredito que «Small is beautiful; less than small is more, but less is bore», ainda que certos minimalismos também deixem muitíssimo a desejar. O bom senso é, e continuará a ser, o melhor critério.

Outra era também a iluminação. Comparada com a de Frankfurt, dir-se-ia que a da Portela era à base de lâmpadas amarelas de vinte e cinco watts, daquelas que em tempos idos se encontravam nos candeeiros de mesa-de-cabeceira dos avós. Via-se muito mal dentro do aeroporto de Lisboa. A longa noite fascista estava ainda longe de ter terminado, pelo menos, segundo rigorosos critérios fotométricos…

Duas horas e pouco mais tarde, acabava a segunda etapa do baptismo de voo com a chegada a Berlim. Primeiro, avistei campos e algumas casas. Depois, mais casas e menos campos. Depois ainda, a superfície e os contornos irregulares de um ou vários lagos, não percebi bem, e, por fim, sem qualquer transição, o aglomerado denso do casario urbano e a rede viária complexa como uma teia. De repente, uma ilha de vazio no centro da cidade, onde o avião pousou quase na vertical – Berlin-Tempelhof.

Começara então a iniciação ao grand monde, cheio de tudo o que era mais necessário a um neófito. Muitas aprendizagens e muito cosmopolitismo! E é esta a melhor forma de cultivar o espírito e acarinhar a alma, de criar e desenvolver o gosto de enfrentar, conhecer, compreender, aceitar e até admirar a diferença.

Berlim, a grande rival da Paris dos Anos Loucos! A República de Weimar e a democracia, o advento de uma riquíssima cultura cabaretística, o cosmopolitismo centro-europeu, a novíssima literatura e o novíssimo cinema, os estúdios da UFA e a juventude de Marlene Dietrich. Já depois da Segunda Guerra, o bloqueio soviético e a ponte aérea, naquele exacto lugar, Berlin-Tempelhof. Mais tarde, a construção do Muro, o da Grande Vergonha, como o meu pai dizia. Em breve, teria esse triste espectáculo diante dos olhos. Foram estas as primeiras ideias e as primeiras sensações, ao desembarcar e atravessar o edifício do aeroporto em direcção ao autocarro que nos levou, a mim e a outros bolseiros de outras nacionalidades, pelas ruas de Berlim Ocidental até uma, onde estacionou: Nikolsbürgerstraße. O objectivo principal do estágio, que nos ocuparia nas próximas quatro semanas, era o aperfeiçoamento dos conhecimentos de Alemão e uma melhor compreensão da realidade alemã naqueles conturbados anos setenta.

Conhecemo-nos todos nessa primeira noite, depois de serenadas a excitação e a confusão de distribuir e instalar toda aquela gente. Além do nosso grupo, do qual fazíamos parte três – um tripeiro, uma tricana e eu, um alfacinha – havia o de França, com cinco elementos, o de Itália, também com cinco, o da Holanda, com cinco, o da Suíça, com três, o da Dinamarca, com cinco, o da Finlândia, com quatro, e o da Hungria, com quatro também. Ao todo, trinta e quatro adolescentes, dos dezasseis aos dezanove anos. Um prédio de habitação transformado em albergue de juventude seria o nosso lar nas próximas semanas. E para gáudio de quem tinha de Berlim uma visão quase romântica, encontrávamo-nos a apenas três estações de metropolitano do centro nevrálgico da cidade: a célebre Kurfürstendamm, a Avenida berlinense por excelência, e as ruínas da torre da Igreja da Memória do Imperador Guilherme I, quase arrasada por intenso bombardeamento aliado que contribuiu para impor ao exército nazi a rendição incondicional.

Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche

RIC

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

D. Afonso VI, the Flabbergasted King

As Sancho II in the first dynasty, Afonso VI also revealed himself to be a rex inutilis, to use the happy phrase by the historian José Mattoso.

Afonso VI (Lisbon, August 21st, 1643 - Sintra, September 12th, 1683) was the twenty-second king of Portugal and the Algarves and the second of the House of Bragança, known as «o Vitorioso» (the Victorious) – all in all, History's pure irony…

At the age of three, Afonso suffered an illness that left him paralyzed on the left side of his body, as well as leaving him mentally unstable. His father created him 11th Duke of Bragança.

After the 1653 sudden death of his eldest brother Teodósio, Prince of Brazil and heir to the throne, Afonso became the heir-apparent.

He succeeded his father, João IV, in 1656 at the age of thirteen. His mother, D. Luísa de Gusmão (Medina-Sidonia), was named regent in his father's will.

His mental instability and paralysis, plus his disinterest in government, left his mother as regent for six years, until 1662. D. Luísa oversaw military victories over the Spanish armies at Ameixial (June 8th, 1663) and Montes Claros (June 17th, 1665), culminating in the final Spanish recognition of Portugal's independence on February 13th, 1668 in the Treaty of Lisbon, almost 28 years after Portugal had actually regained its independence as a sovereign State in 1640.

Colonial affairs saw the cession of Bombay and Tangier to England (June 23rd, 1661) as dowry for Afonso's sister, Catherine of Bragança, who made an unfortunate marriage to Charles II of England.

In 1662, Count of Castelo Melhor saw an opportunity to gain power at court by befriending the king. He managed to convince him that his mother was out to steal the throne and exile him from Portugal. As a result, Afonso took control of the throne, and his mother entered a convent.

He was married to Marie Françoise, Mademoiselle de Nemours et d'Aumale, daughter of the Duke of Nemours, in 1666, but this marriage would not last long. Marie Françoise – or D. Maria Francisca Isabel de Sabóia in Portuguese – filled for an annulment in 1667 based on the impotence of the king. The Church granted her the annulment, and she married Afonso's brother, Pedro, Duke of Beja, future Pedro II.

That same year, Pedro managed to gain enough support to force his brother to relinquish control of the government, and so he became Prince Regent. Afonso was exiled to the island of Terceira in the Azores, returning to Portugal in 1674. He died in the Sintra Royal Palace in 1683.

Legend or not, part of the floor in his quarters shows evidence of being worn out by someone who had walked to and fro indefinitely…

Gonzalo Torrente Ballester, the eminent Spanish writer, published in 1989 «Crónica del Rey Pasmado» (Chronicle of The Flabbergasted King).

Afonso's trial is the base for José Mário Grilo's 1990 film «O Processo do Rei» (The King's Trial).

RIC & Wikipedia

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Um édito leve | A light post

What would you say this beautiful «thing» is or represents?
Set your creative, poetical, visual imagination free!

O que é que pensam que esta «coisa» lindíssima é ou representa?
Libertem a vossa imaginação visual, poética, criativa!

Calabi-Yau manifold (3D projection)

Calabi-Yau manifolds are a special class of manifolds used in some branches of Mathematics (such as algebraic geometry) as well as in theoretical physics. For instance, in superstring theory the extra dimensions of space-time are sometimes conjectured to take the form of a 6-dimensional Calabi-Yau manifold.

Awesome, huh?…

Variedades de Calabi-Yau são uma classe especial de variedades usada em alguns ramos da Matemática (como a geometria algébrica), bem como em física teórica. Por exemplo, na teoria das supercordas, as dimensões extras do espaço-tempo são por vezes conjecturadas para tomar a forma de uma variedade de Calabi-Yau a 6 dimensões.

Esmagador, hem?…

Cf. Wikipédia, s.v. «Teoria das cordas»/«String theory»

RIC

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Au Quartier Latin…

«Continuei pelo Quartier Latin o meu périplo de viandante. Enquanto caminhava pela rue de la Harpe pareceu-me ouvir alguns acordes da ária «Quando men vo», vindos de uma pequena loja. Fui-me aproximando, e era mesmo La Bohème que naquele instante fazia as delícias de uns quatro clientes, talvez habitués, melómanos pela certa, também eles com um certo ar boémio, sentados a uma mesa num canto da sala, numa espécie de cenário de café antigo – o Momus, é claro! Para quem tivesse dúvidas, lá estava uma pequena placa com o nome a revelar a intenção de quem ali instalou aquele espaço como um cenário, decerto um entusiasta de Puccini. Um excelente achado, já que o enredo da ópera é um pedaço de História daquele bairro. E – a ideia começava a seduzir-me – aqueles melómanos bem poderiam ser Rodolfo, Marcello, Colline e Schaunard reencarnados. Onde estariam então Mimì e Musetta? Haveriam de estar por ali. Quem sabe se não seriam aquelas duas meninas atrás do balcão... Num italiano muito martelado por um forte sotaque francês, meio staccato e nada cantabile, e parecendo ter adivinhado a minha pergunta, uma delas disse com um franco sorriso, «sì, mi chiamano Mimì… mais moi je m'appelle Madeleine.» (1) Vendo o espanto chapado na minha cara, acrescentou «mais croyez-moi, monsieur! … C'est tout à fait vrai!» (2) Fiquei atónito e emudeci. Mal se dissipou a surpresa e recuperei a fala, saiu-me de improviso «o soave fanciulla, ma tu sei proprio una strega!» (3) Mas a Madeleine não percebeu. Tive então de traduzir e explicar o porquê da exclamação, e tudo redundou numas boas gargalhadas.

Demorei-me por ali mais algum tempo, deliciando-me com o que ouvia e preparando-me para abrir os cordões à bolsa por uma mão-cheia de CD. A caminho da caixa, o meu olhar, nem de propósito, foi cair sobre a gravação de uma peça que há muito procurava. Saí radiante daquele pequeno reino da música, que me brindou com o arrebatador quinteto de cordas La Musica Notturna delle Strade di Madrid de Luigi Boccherini, o celebrado compositor do delicioso minuetto galante doutro quinteto de cordas, agrupamento de que foi ele o criador, com o opus 11 n.º 5. As más-línguas chamavam-lhe a mulher de Franz Joseph Haydn por causa das suas melodias doces e cantabile, opostas aos allegri vigorosos e sólidos do austríaco.

Toda a peça, que não chega aos dez minutos, é muito pitoresca e sugestiva. Há nela um imaginoso poema. A primeira parte, muito breve, é uma sequência sem melodia que evoca sinos a tanger. Soa em seguida um minueto cadenciado que sugere gente à entrada de uma igreja, talvez mendigos pedindo esmola aos crentes que vão entrando. Dentro da igreja é então o momento de rezar o terço, e a melodia tem a força de uma melopeia de litania recitada pela congregação a orar. À saída, é tempo de ouvir os cantores de rua, «los Manolos», numa melodia sincopada com ritmo de dança inspirada em sons típicos de Castela que, duzentos anos depois, ainda recria, desde o primeiro acorde, o ambiente descontraído e festivo dos tablados onde se exibe o garbo castelhano. Esta é a parte mais intensa da peça, e ao ouvi-la consigo ver distintamente um grupo de madrilenos a dançar ao sol poente. Terminada a dança, começa a ouvir-se uma marcha, cujo volume sonoro vai aumentando, até terminar o render nocturno da guarda da cidade. É noite fechada e a peça termina.

Luigi Boccherini (1743-1805)

É uma das pouquíssimas «opera con titoli» que Boccherini compôs, e é ele quem a apresenta num manuscrito autógrafo de 1780. «Este quintettino descreve a música que se ouve à noite nas ruas de Madrid. Começa com o toque às ave-marias e acaba com o render da guarda. Tudo isto não é tratado com o rigor exigido pelo contraponto, mas destina-se muito simplesmente a reproduzir com naturalidade as coisas que desejo representar. «Ave Maria delle Parrocchie» é o toque às ave-marias das igrejas paroquiais da cidade. A seguir vem o «Minuetto dei ciechi», o minueto dos mendigos cegos. Os violoncelistas devem pousar os instrumentos nos joelhos e imitar o som de uma guitarra, servindo-se de todas as unhas. Depois de uma breve pausa, o minueto inteiro é repetido e conduz ao «Rosario», o terço, que deve ser tocado sem medida fixa. Ao «Rosario» seguem-se uma passacaglia dos cantores de rua, «los Manolos», de novo com efeitos semelhantes aos de uma guitarra e, por fim, a «Ritirata». É preciso imaginar que este render da guarda nocturna é ouvido primeiro ao longe e deve portanto ser tocado piano para que mal se ouça; as indicações seguintes de crescendo e marcando devem ser estritamente observadas.» Mas em carta de 10 de Julho de 1797 enviada a Ignaz Pleyel, o seu editor em Paris, onde a sua música era muito apreciada pelo carácter galante, Boccherini afirma que «esta peça é totalmente inútil e mesmo ridícula fora de Espanha. O público jamais compreenderia o seu significado, e os executantes não seriam capazes de tocá-la como deve ser.»

Foi assim que, sem compreensão possível, este quinteto permaneceu inédito até aos anos vinte do século XX, ainda que se tenha tornado bastante popular em vida do compositor e este dele tenha feito vários arranjos. Ouvi-o pela primeira vez – lembro-me bem – num documentário sobre o excessivo Señor D. Francisco José de Goya y Lucientes, ignorando então que pintor e músico haviam sido grandes amigos. Foi no palácio da mecenática Condessa-Duquesa Maria Josefa de Benavente-Osuna, a última protectora de Boccherini antes de se mudar com a família para Paris em 1799, que ambos se conheceram e uniram numa amizade indefectível até à morte do compositor em 1805, na maior miséria. Ele que tivera por mecenas D. Luís de Borbón, Infante de Espanha, e Frederico Guilherme II, rei da Prússia. Desiludido, e talvez também porque simpatizasse com a causa republicana, Boccherini ainda tentou os favores de França e em 1799 enviou uma carta ao citoyen Marie-Joseph Chénier, irmão do malogrado poeta André Chénier entretanto guilhotinado, acompanhando os quintetos para piano dedicados à la Nation française. Em vão. Um ano mais tarde, ainda sem qualquer resposta, Boccherini queixa-se amargurado ao seu antigo editor parisiense, Jean-Georges Sieber: «Se não há em Paris ninguém que queira ocupar-se deste assunto, então fica esquecido e enterrado. Lamento que a Nação não tenha o prazer de conhecer esta homenagem que lhe dedico. Se esta obra não tivesse outros méritos que o de ser dedicada à Nação francesa, este parece-me suficiente para que o mundo inteiro a queira conhecer. Sei bem que a música é feita para falar ao coração do homem; e é o que me esforço por alcançar, se puder: a música, privada de sentimentos e paixões, é insignificante.»

Em 1927 os seus restos mortais foram trasladados para a basílica de S. Francisco da cidade toscana de Luca, onde nascera e que é também a cidade natal de Giacomo Puccini. À data da morte de Boccherini, Luca via brilhar a figura da Princesa de Luca e Piombino, Elisa Bonaparte, uma irmã de Napoleão com um notável talento para os negócios e para a administração da cidade e admirável mecenas das letras e das artes. Ficou conhecida como a Semíramis de Luca. Ao menos no eterno repouso, Boccherini teve mais sorte que Camões, que acabou na vala comum, destino fatal, aliás, de tantos outros génios. Em Viena, também Mozart teve enfim direito a um cenotáfio, no cemitério de Sankt Marx, onde o seu corpo – e apenas o seu corpo! – desapareceu para sempre numa gélida manhã de Dezembro.

Estas vidas acabam sempre assim, sepultadas em atroz miséria. Enquanto prosseguia a minha caminhada, ia cogitando inconformado que em duzentos anos – ou em dois mil –, o ser humano, no essencial, mudara muito pouco ou nada. Talvez, se acaso nascesse já com a serena sabedoria de um octogenário, descobrisse a salvação, o único passo possível para a perfeição. Mais sereno, entreguei-me a conjecturas sobre as estradas de Madrid à noite, no tempo em que Boccherini as calcorreava em busca de inspiração. Gratos devaneios. Os dele e os meus...»
___________________________________________
(1) Sim, chamam-me Mimi, mas o meu nome é Madalena.
(2) Acredite em mim, senhor. É mesmo verdade.
(3) Ó doce menina, mas tu és mesmo uma bruxa.

Em homenagem ao Dia Internacional da Música, instituído pela UNESCO em 1975, tendo os seus objectivos sido então apresentados por Lord Yehudi Menuhin:

«The International Music Day aims to encourage:
– the promotion of our musical art among all sections of society;
– the application of the UNESCO ideals of peace and friendship between peoples, of the evolution of their cultures, of the exchange of experience and of the mutual appreciation of their aesthetic values;
– the promotion of the activities of the International Music Council, its international member organizations and national committees, as well as its programme policy in general.»

RIC