sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Cyril Collard in memoriam

«Je remonte la rua das Janelas Verdes. J'entre au musée des Arts anciens. C'est sombre et frais. Je reste longtemps devant un polyptyque du quinzième siècle attribué à Nuno Gonçalves où est représentée la vénération de saint Vincent de Fora par des personnages de l'Église, des militaires et des bourgeois.

Dehors, tout a changé. La pluie s'est arrêtée. Je m'assois sur un vieux banc en bois du jardin du 9-Avril. Le soleil frappe mon visage du côté droit. Le port est là, en contrebas, passé les rails du tramway et ceux du train qui longe la côte vers Estoril; ensuite c'est le Tage, vert clair, piqué de moutons; les grues qui cachent presque entièrement le Christ Roi érigé sur l'autre rive; des cheminées, des coques de navires.

Il fait beau comme jamais. Je suis vivant; le monde n'est pas seulement une chose là, extérieure à moi-même: j'y participe. Il m'est offert. Je vais probablement mourir du sida, mais ce n'est plus ma vie: je suis dans la vie.»

Cyril Collard, Les nuits fauves

A adaptação cinematográfica, realizada e protagonizada pelo autor, foi galardoada com o César para o melhor filme de 1993.


Cyril Collard nasceu em Paris, a 19 de Dezembro de 1957. Quando se realizou a cerimónia para a entrega dos Césares, Cyril já não esteve presente. Faleceu em Paris, a 5 de Março de 1993.

Romance e filme são retratos crus de um estilo de vida que condenaria tantos a uma morte prematura. Cyril sabia que estava a caminho do fim e como que ganhou asas para realizar o filme que foi o seu canto do cisne.

O final apresenta cenas de grande beleza rodadas em Lisboa, entre as quais recordo uma travessia da ponte 25 de Abril num descapotável: um lancinante grito de apelo – e um vibrante testemunho de apego – à vida.


«Subo a Rua das Janelas Verdes. Entro no Museu de Arte Antiga. Está sombrio e fresco. Fico bastante tempo em frente de um políptico do século XV atribuído a Nuno Gonçalves que representa a veneração de São Vicente de Fora por personalidades da Igreja, militares e burgueses.

Lá fora tudo mudou. A chuva parou. Sento-me num velho banco de madeira do Jardim 9 de Abril. O sol bate-me no rosto do lado direito. O porto fica ali em baixo, para lá dos carris do eléctrico e do comboio que segue ao longo da costa em direcção ao Estoril. A seguir fica o Tejo, verde-claro, encarneirado; os guindastes que quase por completo escondem o Cristo-Rei erigido na outra margem; chaminés, cascos de navios.

Está mais agradável que nunca. Estou vivo. O mundo não é apenas uma coisa existente, exterior a mim próprio: participo nele e ele é-me dado. Provavelmente vou morrer de sida, mas já não é a minha vida. Eu sou parte da vida.»

As Noites Fulvas

Tradução de RIC

12 comentários:

Leo Carioca disse...

Eu realmente ainda não vi esse filme. Mas parece ser muito interessante pelo que você disse.

RIC disse...

Caro Leo!
Perdê-lo seria muito má ideia, se acaso te é possível vê-lo, obviamente!...
Não é interessante. É chocante.

Special K disse...

É sempre triste quando alguém morre assim tão jovem. Não conheço os outros filmes dele mas vi este que me marcou. Tinha vinte e poucos anos, uma vida pela frente, e aquilo assustava um pouco. Ainda por cima na altura a informação sobre a doença ainda não era muita e eu identifiquei-me um pouco com a personagem pela sua bissexualidade.
Um abraço

Minge disse...

I kiss you.

RIC disse...

Olá Paulo!
O romance e logo a seguir o filme estão ligados a acontecimentos importantes da minha vida que tiveram lugar precisamente nos anos de 92, 93 e 94... Foi tudo muito perturbador e mudou a minha vida para sempre...
Terás assim uma ideia do que o desaparecimento de Collard representa para mim...
Um abraço! :-)

RIC disse...

Hello Minge!
Do you? I kiss you back then...
I was no longer sure you'd ever come back... You've deserted me for so long... But I'm happy now, I guess...

Shadow disse...

Não vi o filme. Porém, pelo que é-me dado a ler, vai mexer com o meu Eu. Portanto...a ver brevemente.

Um excelente fim-de-semana!
(Sem preguiças, sim? ) ;-)

Beijinho :-)

RIC disse...

Olá Carla!
... Sim, «mãezinha»! Prometo!... Rsrsrs!
É um bom filme, sem dúvida! Collard teria ido longe, se a vida lho tivesse permitido... Não faço ideia se o encontrarás no circuito de aluguer ou mesmo no comercial... Talvez o Paulo saiba!
Um óptimo fim-de-semana para ti também, minha cara!
Um beijinho! :-)

Shadow disse...

Voltei curiosa...

Parece-me que escapou(-te) algo... «Filho distraído»!...lol

:-)

RIC disse...

??? :-) Lamento, mas «esta» escapou-me... E pelos vistos outra anterior também... Rsrs! Eu não te disse já, ó Matemática, que o meu discernimento é inversamente proporcional à temperatura ambiente? Rsrsrs! Bem que te avisei!...
:-)

Special K disse...

Por acaso foi pelo circuito de aluguer que eu vi o filme, na altura ainda era em VHS, nem se sonhava com o DVD. No circuito comercial português não deve ser fácil de encontrar. O meu conselho era a Amazon, mas depois de uma busca vi que não está disponível :(
Um abraço.

RIC disse...

Olá Paulo!
Muito obrigado pela tua atenção e pelo teu cuidado! Apesar de todos os progressos, parece-me que o audiovisual europeu tem ainda um longo caminho a percorrer... Se pensarmos que qualquer treta hollywoodesca se encontra a pontapé...
Um abraço! :-)