quinta-feira, 28 de setembro de 2006

II. De noite, com Morfeu...

Há dias assim. Acordo cinzento para o mundo, faça sol ou chuva. Qualquer coisa terá corrido mal no misterioso mundo de Morfeu, do qual só de vez em quando trago algumas recordações ao regressar a este lado, terminada a viagem virtual.

Há sonhos de que me recordo na íntegra ou, pelo menos, penso que assim seja, por a história ser, conquanto pouco ou nada verosímil, minimamente coerente. Outros são recorrentes e chegam a preencher as minhas noites sucessivamente. Cedo me habituei a chamar a estes ciclos oníricos o meu «cinema interior». Como neste blog, nesses sonhos tudo pode tornar‑se assunto.

Na adolescência e no princípio da adultícia, o sexo foi rei e senhor. Acordava ora perturbado, estranho a mim próprio por tudo o que protagonizava em indizíveis andanças e cavalgadas, ora deliciado com as experiências apolíneas que no mundo real não passavam disso mesmo – sonhos.

Depois vieram anos conturbados. Mortes sucessivas, como que agendadas ao longo de quase uma década, alteraram por completo aquela programação nocturna. Muito raramente se tratava de pesadelos que me fizessem acordar em pânico, suado, aos gritos ou sentindo‑me absurdamente mais morto que vivo. Não, era sempre aquela importuna verosimilhança que parecia presidir com mão férrea à elaboração de guiões que tanto me levavam ao passado, para junto de quem já cá não está, para reviver momentos que afinal nunca existiram, como me faziam acordar na manhã seguinte com a ideia firme de que dentro de poucas horas estaríamos de novo juntos. Um átimo mais que fugaz de felicidade suprema. No instante em que esfregava os olhos, sentado à beira da cama, o sortilégio desfazia-se em fumo para dar lugar à impiedosa realidade real.

Hoje é tudo mais nebuloso. Ou nada recordo dos momentos passados com Morfeu – e a manhã seguinte liga‑se sem sobressaltos à noite anterior –, ou então lembro‑me de pedaços avulsos de encenações tragicómicas que, ao menos, gozam do sempre bem‑vindo efeito de distanciação. Passam‑me ao lado, como se mos tivessem oferecido sem que eu os tivesse alguma vez desejado. Ora me fazem esboçar um sorriso indulgente, ora me cavam mais uma ruga na testa.

O menos agradável, porém, é o eu acordar cinzento. Como hoje. Creio já ter aprendido a conviver com algum à‑vontade com a soturnidade destas manhãs. Nada posso fazer que mude o que já está feito. Durante a noite, uma semente negra germinou, cresceu e, de manhã, deu o seu fruto intragável. Daria tudo para descobrir a causa de tal desassossego, mas sei que é impossível. Resta-me atravessar o tempo até que a serenidade regresse. Mas de todo este ínvio processo há pelo menos um elemento que já consegui identificar: a omnipresente sombra da morte. Mera suspeita ou intuição, nunca o saberei.

Ontem, terei sabido da morte de alguém. Mas não sei. Ao certo, não sei.

12 comentários:

Râzi disse...

Ai, eu sempre adorei ter sonhos sexuais! Eles são mais intensos do que a maioria das experiências que temos acordados! Uma boa gozada durante um sonho não tem igual!!!
Eu já sonhei coisas muito loucas, transas com primos, conhecidos,e desconhecidos! Apenas uma pegada de pinto inocente, em um sonho, é um delírio! Pena que eles não sejam tão frequentes!
Acho que a delícia toda vem do fato do racional não participar tanto quanto quando estamos acordados! É pura emoção!

Huahauhauauhauahuah!
E se Morpheus aparecesse nem sonho, gostoso do jeito que é retratado, eu acho que ia ser difícil resistir! AHuahuahauh!
Beijão!

Anónimo disse...

Opss... mexeu comigo...

No meio desse «cinzentismo»,deixo um abraço! (Pode ser de cores garridas?)

Anónimo disse...

Inquietante.
Um beijo

RIC disse...

Que inspirado, Ricardinho! Houve momentos na minha vida em que eu tinha quase a certeza de que iria sonhar com «isto e aquilo»... Noites umas atrás das outras. Estranhíssimo...
Tens razão: acordados, é o super-ego que controla; a dormir, creio que os desejos «recalcados» tomam o freio nos dentes... É o máximo... quando são estes os sonhos.
Beijão! :-)

RIC disse...

Obrigado, querida Carla! De ontem para hoje apanhei um valente susto, mas parece-me que não passou disso... Felizmente!
Estou bem precisado de um colorido bem garrido. Pode até ser foleiro, não faz mal. O importante é afastar esta nuvem cinzentona!
Um abraço também para ti! :-)

RIC disse...

Foi inquietante e assustador. Mas já passou, pelo menos não afecta a «realidade real», não como eu julgava.
Não gosto mesmo nada destes surtos, mas por vezes não tenho como evitá-los.
Beijinhos para ti também, Karla! :-)

Anónimo disse...

Ric, não sou fã de cores garridas, note-se. Mas, neste caso, era mesmo um colorido «bué» foleiro! :-)

RIC disse...

É isso, Carla, é mesmo de um «bué» foleiro e fatela que estou a precisar...
Obrigado!

Minge disse...

Do you want a baby, darling?

RIC disse...

I wouldn't mind at all, Minge dear, if I weren´t so old for such a commitment... I detest old parents, especially old fathers as mine was... But I'm sure I'd make a wonderful father. I've dealt with teens my whole life through, so I guess I know what it takes... :-)

Minge disse...

How old is too old?

RIC disse...

Let's just say you can still hold a new-born in your arms; by the time you'll turn 55, he/she is a grown-up. Instead, my father was 45 when I was born; for all it matters, I've never had a father, but a distant grandfather... That's not okay at all, even if we can now live longer. Well, at least not for me, of course.