terça-feira, 18 de setembro de 2007

«Quiseram chamar-me Fernando»

A janela do meu quarto dá para uma rua
Onde carros continuam a passar
Todos os dias
Todo o dia.
Gente que fala são vozes que ouço.
Gente que caminha são passos que ressoam.
Chaves que tilintam são portas que se abrem.
Tal como na tua rua
Como no teu tempo.
Igual monótono.

Olho em frente e há uma tabacaria
Onde todos os dias entram e saem
Outros Esteves muitos.
Os filhos, os netos, os bisnetos.
Igual monótono.

Eu que não sou Fernando mas estive para ser
Também digo pensar com o coração
Sentir com a razão
E escrever prosas que não são versos.

Deve ser isto assim
O ser parte da humanidade.
Mais um grão de areia soprado para a engrenagem
Que um dia há-de expeli-lo.
Tu saíste em trinta e cinco
Eu entrei em cinquenta e nove
Nesta nossa Lisboa ainda a mesma
Na mesma língua que ainda hoje doce dura.

Em caixas sobrepostas há gente a escrever versos alinhados
Na correnteza de vagões do teu comboio de corda.
Versos à beleza deste espaço onde vivos fazem vidas
Em jazigos para vivos
Geometricamente empilhados em talhões bairros
Horrores de arquitectura.

Quem dera um suave desígnio
Nesta desvairada trucidação de susto e ânsia
Que nos disseram à chegada
Que era a vida.

RIC

18 comentários:

r.porter disse...

só tenho a dizer...

*****

beijinho
Yo

Tongzhi disse...

Muito bonito!
Eu é mais mar...

Abraço

Catatau disse...

Isto é uma ode. Podias ser Fernando, mas não precisas! ;)

Leandro disse...

Ric, que lindo! Pelo que entendi, você é o autor dessas palavras, certo?

Desculpa não conseguir me expressar aqui o que estou sentindo. Acredito que algumas coisas não possam ser traduzidas em palavras. Ou talvez seja alguma restrição minha.

Eu que não sou Fernando mas estive para ser
Também digo pensar com o coração
Sentir com a razão
E escrever prosas que não são versos.


Lindo mesmo, de verdade!

Beijos!
=)

André disse...

A propósito do título do post/poema, fui um dia chamado "Fernando" pelo José Saramago! Ia ele autografar o meu exemplar de "A Caverna", disse-lhe o meu nome, o meu verdadeiro nome, e ele escreveu em vez desse, Fernando... Não me importei nada. Já lera "Todos os Nomes" ("Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens")... Agora guardo o meu exemplar com um enorme orgulho, e acho a troca muito saramaguiana e pessoana (pode haver melhor 2 em 1 que isto?), embora haja quem argumente que o autógrafo não era para mim, para me provocar... Até tenho uma fotografia do momento...

Abraço

RIC disse...

Olá querida Yo!
'Tá bem! Eu fico a ver estrelas! Não me importo nada, desde que sejas tu que me põe a vê-las... Rsrsrs!
Obrigado e beijinho para ti também!
:-)

RIC disse...

Olá venerável Imperador!
Estais finalmente de volta às lides blogosféricas após o vosso retiro estival! Sede muito bem-vindo!
Já que o dizes, meu caro, também eu prefiro o mar à selva urbana, ainda que esta possa às vezes ser também inspiradora...
Abraço! :-)

RIC disse...

Olá João!
... Menos, menos, que podem ouvir-nos... Rsrsrs!
«Isto» é um poema de Pessoa; as minhas palavras foram alinhadas num dia cinzento em que me «fartei» de ler «Tabacaria». Ah, acho que também já não tinha cigarros e não me apetecia sair... Rsrsrs!
Obrigado, meu caro João! É muito bonita e gentil a tua última frase...
Abraço! :-)

RIC disse...

Olá meu querido Lê!
Fui eu que as alinhei, sim. É muito bonita a tua emoção. Muito obrigado!
Nem sempre conseguimos «pensar com o coração», como diz Pessoa. De facto, não é nada fácil!
Fico muito contente por as minhas palavras te terem emocionado. É sempre agradável saber que valemos para alguma coisa...
Abração e beijão alfacinhas! :-)

RIC disse...

Olá André!
E ainda diz «a outra» que não há coincidências! Uma ova! Que história deliciosa! É um fabuloso «2 em 1», sem dúvida!
Falando de autógrafos, do Saramago creio ter dois: «Memorial do Convento» e (como não podia deixar de ser!) «O Ano da Morte de Ricardo Reis». Lembro-me que, quando lhe disse que me chamava Ricardo, ele levantou os olhos para mim por breves segundos... Mas nada disse.
Obrigado pela citação! Estava já meio esquecida!
Um abraço! :-)

Râzi disse...

Meu lindo, que poema bonito!

E olha que eu já te falei que não gosto muito de poesia!

Aquela parte de que as chaves qeu tilintam são portas que se abrem me fez sentir uma coisa estranha!!!

Beijão!

RIC disse...

Olá Ricardo!
São muito simpáticas as tuas palavras! Muito obrigado!
Em boa verdade, trata-se mais de alguns pensamentos «acompanhados» do que de um «poema»... Não tenho quaisquer aspirações a poeta, apenas gosto de anotar algumas ideias que às vezes me ocorrem, nada mais.
... E que coisa estranha foi essa?...
Abração e beijão lisboetas! :-)

Shadow disse...

Também eu me rendo a estes pensamentos! Obrigada!
...E como diz o Catatau, não precisas de ser Fernando. A essência diz tudo!

Beijinho:-)

RIC disse...

Olá querida Susana!
Não tens de quê! Apenas mais uma «janelinha» aberta sobre mim...
Sinceramente, quanto a nomes, prefiro Ricardo a Fernando... Mas como há um Ricardo na vida do Fernando, tudo bem na mesma! Rsrs!
Espero e desejo que esteja tudo bem contigo!
Beijinho! :-)

Anónimo disse...

Gostei muito!
Ab

RIC disse...

Olá Bernardo!
Ainda bem!
Abraço! :-)

Special K disse...

Podias ser Fernando mas és Ricardo, poderias ser Reis de apelido... Será que não és?
Meu amigo escreveste um excelente poema, uma bela homenagem ao grande mestre Fernando em Pessoa.
Um abraço.

RIC disse...

Olá Paulo!
Rsrsrs! Não, não sou Reis, nem a sério nem a brincar! Rsrs!
Fico muito contente por assim pensares, meu caro. Muito obrigado! A ideia principal terá sido mais a de «revisitar» Pessoa do que a de escrever um «poema»...
Um abraço para ti também! :-)