sábado, 18 de agosto de 2007

«Não lamentes, oh Nise, o teu estado»...























Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:

Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a coroa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado;

Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta),
Entre mil porras expirou vaidosa.

Todas no mundo dão a sua greta;
Não fiques, pois, oh Nise, duvidosa,
Que isto de virgo e honra é tudo peta.

Manuel Maria Barbosa du Bocage

Mas…

Não lamentes, Alcino, o teu estado,
Corno tem sido muita gente boa;
Corníssimos fidalgos tem Lisboa,
Milhões de vezes cornos têm reinado.

Siqueu foi corno, e corno de um soldado:
Marco António por corno perdeu a coroa;
Anfitrião, com toda a sua proa,
Na Fábula não passa por honrado;

Um rei Fernando foi cabrão famoso
(Segundo a antiga letra da gazeta)
E entre mil cornos expirou vaidoso;

Tudo no mundo é sujeito à greta:
Não fiques mais, Alcino, duvidoso
Que isto de ser corno é tudo peta.

José Anselmo Correa Henriques

Então, em que é que ficamos?!
É delas o mundo, porque delas é a matriz?…
Ou deles, porque com o membro o comandam?…

Apraz-me muitíssimo reler o soneto de Bocage – o tal que «devorei» num intervalo de galhofa entre duas aulas, nos «muito idos» de setenta… Coisa proibidíssima!
Ainda hoje solto fartas gargalhadas ao chegar ao 11.º verso, que é primoroso!
Riam muito e tenham, já agora, um excelente fim-de-semana!

RIC

14 comentários:

Anónimo disse...

Excelente!!!!
Bom fim-de-semana!
Abraço

RIC disse...

É, não é?... Rsrsrsrs!!!
Como não havia de ser, tratando-se de um dos maiores poetas portugueses? Pena é que a maioria só o conheça como o «desatinado»... Mas estou certo de que foi bem mais do que isso! Ou não teria escrito tudo o mais que escreveu.
óptimo fim-de-semana para ti também, meu caro Bernardo!
Um abraço amigo! :-)

Shadow disse...

Não será delas nem deles. Será de ambos! Não?...
Se necessária, podemos ter aqui uma «prova» nestes dois excelentes sonetos.

Rir faz sempre falta! (Onde já ouvi isto?) :-) Obrigada!

Um excelente fim de semana também para ti:-)

RIC disse...

Olá, querida Carla!
Muito obrigado eu! Parece-me, pelo andar da carruagem, que também na blogosfera nacional há olhos e ouvidos pudibundos... Ou então é mais uma manifestação da muita hipocrisia hoje reinante por todo o lado... Enfim!...
Se calhar, o mundo é mesmo de ambos... Mas eu estou mais inclinado para o lado... delas. Não pelas razões que deram origem a ambos os sonetos, bem entendido!
E rir faz mesmo falta! Rir desbragadamente, para esconjurar o cinzentismo! E a poesia erótica é feita para quê? Decerto não para excitar leitores e/ou ouvintes. Para tal há hoje outros meios...
Óptimo domingo para ti!
Beijinho! :-)

Special K disse...

Não conhecia aquela variação do corno mas está muito bom. E o grande Bocage, sempre irreverente.
Um abraço e bom domingo.

Leo Carioca disse...

Se o Mundo é delas ou deles? Acho que é dos 2. Até porque nem sempre elas nem eles usam o que têm entre as pernas, né?rs Às vezes tanto elas quanto eles até esquecem que têm!!!rsrsrs
Abração!

RIC disse...

Olá Paulo!
Eu também não, até ter dado com uma nota de rodapé que remetia para o segundo soneto. Achei curioso pô-los aqui juntos.
A irreverência de Bocage é, por assim dizer, proverbial!...
Bom domingo para ti também!
Abraço! :-)

RIC disse...

Olá Leo!
Gosto da tua argumentação! E muito! Rsrsrs! Só que me parece que desses esquecidos e dessas esquecidas não reza a História... Não tiveram nem vontade nem oportunidade de exercer o poder...
Rsrsrsrs!
Abração! :-)

João Roque disse...

Meu caro Ric
que saboroso este pequeno almoço domingueiro com o fabuloso Bocage de permeio numa das suas mais verrinosas setas, e que divertida???
Abraço.

S.M. disse...

Ah, ah, ah... puta ou corno...bem, são conceitos culturais e enquento não se escolhe o melhor rie é o melhor remédio... Bom fim de semana. Vou de férias!!! Beijinhos

lampejo disse...

Assim poeticamente se vai "alegremente" criticando.
Abraço amigo!

RIC disse...

Olá João C.!
Neste final de tarde domingueiro, muito «folgo» que o grande Bocage te tenha feito companhia ao pequeno-almoço! E oh que companhia!... Rsrsrs!
Acho que este foi o primeiro poema erótico que alguma vez li na vida. Uma excelente iniciação, não achas?
Um abraço para ti também! :-)

RIC disse...

Olá S.M.!
Obrigado pela notícia! Goza bem essas férias! Acredito que são bem merecidas! Quem está metido em teses tem de aproveitar todos os instantes de desanuviamento, que sabem sempre a pouco...
Pois é... Dois conceitos «estruturantes» (lá vou eu na moda...) que dependem apenas de uma só «coisa»... Curioso, não é?... Rsrsrs!
Diverte-te e quando voltares «apita»! Eu ouço de certeza! Tenho muito bom ouvido!
Rsrsrs!
Beijinhos para ti também! :-)

RIC disse...

Olá Lampejo!
Tens toda a razão! Essa tradição de criticar alegremente é bem antiga entre nós: vem da poesia trovadoresca, passa por Gil Vicente («ridendo castigat mores») e atinge o auge no século XVIII.
É sem dúvida uma saborosa tradição!
Um abraço amigo para ti também!
:-)