De seu nome completo Augusto César Ferreira Gil, o poeta nasceu em Lordelo do Ouro, Porto, a 31 de Julho de 1873 e faleceu em Belém, Lisboa, a 26 de Novembro de 1929.
Não meço nem avalio os poetas pelos eruditismos (vulgo "palavras caras") que utilizam, mas antes pelo eco que as suas palavras encontram no meu íntimo. E esta é a minha razão maior para considerar Fernando Pessoa o maior poeta português.
Para ser sincero, nunca fui grande apreciador da poesia de Augusto Gil. Porém, reconheço-lhe as qualidades que fazem dela um modelo de discurso poético que, em termos pedagógicos, deveria ser bem mais explorado.
Recordo uma época da minha vida profissional em que leccionei Português ao 7.º ano. Duas turmas tinham aulas ao sábado, o que tornava qualquer actividade lectiva mais tradicional quase impossível. Assim, chegámos a um acordo: os que estivessem interessados em divulgar à turma os seus poetas de eleição deveriam entregar-me, durante a semana, um papelinho dando conta do poema, do poeta e do/a "declamador(a)". Se o número fosse suficiente, sábado seria dedicado à poesia; senão, a aula seria "normal".
Escusado será dizer que quase todos os sábados foram dias de poesia. E aprendi então o que nenhum manual me ensinara: a natural predisposição daquela faixa etária para a memorização (alguns poemas eram bem longos!) e a candura com que os dizem, sentindo cada palavra ao seu modo e de acordo com a respectiva maturidade.
E eu, que só os ouvia falar nos "Duran Duran" e os via andar com a "Bravo" entre os livros e cadernos, fui surpreendido com escolhas como Florbela Espanca, António Gedeão, Cesário Verde, Camilo Pessanha, Fernando Pessoa, Almeida Garrett, Bocage, Camões… Nunca poderia imaginar. E também Augusto Gil.
Em Belém, numa pequena faixa relvada entre o Centro Cultural de Belém e as instalações do Planetário Calouste Gulbenkian e de parte do Museu de Marinha, encontra-se esta lápide comemorativa do centenário do seu nascimento.
© RPorter
© RPorter
De «Luar de Janeiro»
Balada da Neve
Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
E a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho…
Quem bate, assim, levemente,
Com tão estranha leveza,
Que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria…
– Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho,
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho…
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança,
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de criança…
E descalcinhos, doridos…
A neve deixa inda vê-los,
Primeiro, bem definidos,
Depois, em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los!…
Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…
E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
– e cai no meu coração.
Ou ainda de «A Canção das Perdidas»
IX
Como querem ver contente
Este país desgraçado,
Se dão só livros à gente
Nas escolas do pecado…
… Até parece Eça, livra! Certeiro! Em cheio!
No Ministério da Educação e no da Cultura, talvez não fosse má ideia fazerem, de vez em quando, uma sabatinas culturais, em vez de passarem tanto tempo nos "Messengers" e quejandos. É que os "referrals" não inventam ligações… E o saber não ocupa lugar.
Alguns "sites" contêm informações erradas sobre o poeta, e o artigo da Wikipédia está ainda por escrever, tendo sido iniciado no Brasil. Para um poeta que o povo não esquece… Imaginem o que seria se o povo o tivesse esquecido…
Quanto a fotografias, não consegui encontrar praticamente nada, nem mesmo na página da Biblioteca Nacional. Mas pode muito bem ter sido falha minha.
RIC
14 comentários:
I'm Still Alive
Hello dear Will!
I wouldn't have thought anything else, believe me!
Há muitas pessoas que conhecem de ouvido esta «Balada da Neve» e desconhecem o seu autor. Aprendia-a no meu tempo de escola e nunca mais esqueci.
Desconhecia isso sim, a existência da lápide pelos relvados de Belém....
Também tive aulas ao Sábado, mas nunca a sorte de serem dedicadas à poesia. Certamente teriam sido uma delícia :-)
E agora, vou... (comer uns caracóis e beber uma(s) cervejinha(s) )
Um excelente fim-de-semana para ti.
Beijinhos :-)
Olá querida Carla!
Pois é... E depois eu é que tenho mau feitio quando distingo entre o «popular» e o «popularucho»... Mas adiante... Rsrsrs!
Tal como dizes, este tipo de poeemas são extremamente apelativos para os mais jovens e deveriam ser utilizados, entre outras coisas, como um treino da memória. Mas quem é que neste nosso país quer melhorar as condições de ensino/aprendizagem?! Só idiotas...
Fazes bem! Nada como uns belos caracóis (hmmmm!) com umas «louraças» bem fresquinhas! É o começo certo de uma alta orgia... à mesa, entenda-se! Rsrsrs!
Óptimo fim-de-semana!
Beijinhos! :-)
Caro ric,
gosto dessa ideia de
«sabatinas de poesia».
No «grupo de tertúlia» a que pertenço,
também evocamos os poetas
e dedicamos tempo à leitura de poemas.
Uma excelente terapia!
Refazemo-nos!
Agradecido por trazeres
a minha infância com
a Balada da Neve.
Abraço.
Olá Thiago!
Estou decerto num bom momento...
Mais uma vez, não tens de quê, meu caro. A escassez nética sobre Augusto Gil deixou-me, de algum modo, estupefacto. Achei que poderia fazer um pouco para alterar a situação: agora já poderá ser possível ver a lápide, por exemplo...
As sabatinas de poesia são uma excelente terapia, sem dúvida, e eu já tive algumas experiências semelhantes. A minha proposta ia, porém, noutro sentido...
É mesmo a infância que todos recordamos com o «batem leve, levemente...» E isso é muito bonito, termos assim «coisas» indubitavelmente comuns...
Um abraço amigo! :-)
O Ministério da Educação e o da Cultura preocupam-se por vezes demasiado com a cultura do exterior, e como os modelos externos, esquecendo-se que cá dentro existe cultura por revelar...
Abraço!
Olá Lampejo!
Isso é verdade, meu caro, mas depois, quando vamos a ver, nem sequer copiar sabem aquilo que deveriam saber copiar, tal é a incompetência!... Mas passam a vida a caminho de seminários e conferências no estrangeiro! Deve ser desculpa para irem às compras...
Abraço! :-)
Olá, Ric.
Acho que deve haver poucos portugueses com mais de 30 anos que não conheçam a "Balada da Neve". Infelizmente não conheço mais nada do Augusto Gil.
Tal como muitos outros também tive aulas ao sábado, e os alunos de que falas se não são da minha geração devem estar muito perto disso, mas as aulas eram sempre uma seca.
Lembro-me de odiar as aulas ao sábado porque de manhã davam os desenhos animados do Tom Sawyer que eu adorava.
http://www.youtube.com/watch?v=VIGP5zBa1v4
Um abraço.
Olá Paulo!
Do que me dispus a conhecer da obra dele (inclusive por um imperativo moral e profissional) fiquei com a noção de ser uma poesia, por um lado, datada e, por outro, bastante afim das correntes menos brilhantes finisseculares... Pessoalmente, nunca gostei de António Nobre. Por aqui já poderás fazer uma ideia. Mas não há como ler, e na net até que há uma amostragem bastante razoável. Dá bem para formar uma opinião.
Os sábados eram, de facto, tétricos... Se frequentaste o 7.º entre, digamos, 82 e 86, bem que podes estar nesse grupo. E assim se vê como as programações televisivas passaram a ignorar os horários escolares...
Gostei muitíssimo desses anos (e de mais uns quantos, poucos) e aprendi imenso. Foram verdadeiros anos de formação em todos os sentidos.
Bem, mas pelos vistos a escola não matou o que de melhor havia em ti! Talvez até pelo contrário!...
Abraço! :-)
Pois fiz o sétimo entre 84 e 86(chumbei um ano) e cheguei a ter aulas ao sábado. O Tom Sawyer foi muito antes nos tempos da preparatória.
Tens razão é um poema datado e que eu sempre relacionei com o ensino do tempo do Estado Novo.
Um abraço.
Olá Paulo!
Muito curioso, atendendo a que nesses anos era na linha de Sintra que eu trabalhava, à excepção de um, em Cascais.
Quanto ao ensino no tempo do Estado Novo, basta dar uma vista de olhos aos quatro «Livros de Leitura» (foram reeditados) da primária para se perceber o que é que era pretendido...
Um abraço! :-)
Amigo Ric
talvez poucos poetas se possam gabar de ter um poema seu decorado por tanta gente; refiro-me ao poema que transcreves, sobre a neve; quem não o conhece? Mesmo haverá gente que desconhece o nome do autor, decerto...
Agora uma curiosidade; sabes que Augusto Gil está "presente" na "Antologia da Poesia Erótica Satírica Portuguesa"?
Pasme-se mas é verdade, com dois pequenos poemas sobre flatulências...
Abraço.
Olá João C.!
É sem dúvida verdade o que dizes, meu caro, e a constatação é por si óbvia. Já o que lhe está por trás é bem outra coisa...
Quanto a essa presença, não me admiro, já que a veia satírica é sobejamente cultivada entre nós. Em «A Canção das Perdidas», por exemplo, há algumas quadras bem afiadas... A Primeira República deu azo a muita coisa que depois o Estado Novo, pura e simplesmente, matou.
Um abraço! :-)
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