Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Ó céu azul – o mesmo da minha infância –
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo…
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
Álvaro de Campos
1923
[Obras de Fernando Pessoa (poética e em prosa)
Introduções, organização, biobibliografias e notas de
António Quadros e Dalila Pereira da Costa,
vol. I, pp. 951-3, Lello & Irmãos – Editores, Porto, 1986]
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Ó céu azul – o mesmo da minha infância –
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo…
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
Álvaro de Campos
1923
[Obras de Fernando Pessoa (poética e em prosa)
Introduções, organização, biobibliografias e notas de
António Quadros e Dalila Pereira da Costa,
vol. I, pp. 951-3, Lello & Irmãos – Editores, Porto, 1986]
18 comentários:
Palavras para quê?
Soberbo!
Bom fim de semana!
Olá Tongzhi!
Ora nem mais! Estamos de acordo!
Excelente fim-de-semana para ti também!
:-)
OK OK , eu também gosto de lisboa, não tenho é o dom da escrita, senão era capaz de fazer tão, ou melhor (talvez não)
Bom fim-de-semana
Olá Teddy Bear!
A minha «causa» (se assim lhe posso chamar) não tem que ver apenas com o facto (para mim óbvio, porque é a minha cidade) de gostar (mais ou menos...) de Lisboa. É uma tarefa que decidi assumir quando criei este blogue, não por mera propaganda bairrista, mas por considerar que Lisboa merece ser divulgada além-fronteiras. Só isso.
Quanto ao dom da escrita, espero que te estejas a referir a Pessoa (não a mim!) Rsrsrs! Se acaso eu tivesse mesmo o dom da escrita, o mais certo era ser companheiro do Saramago (eu sei, eu sei - um dos teus ódios de estimação...). É mesmo com a diversidade que nos enriquecemos.
E quanto a fazer melhor que Pessoa, vai em frente! Poetas como ele (ou ainda melhores) fazem sempre muito falta a este mundo!
Estou contigo! :-)
Bom fim-de-semana para ti também!
Abraço!
Curti seu blog, estou pleiteando uma vaga para fazer mestrado por aih!
Olá... AMPD!
Sê bem-vindo! Obrigado! Espero que consigas obter a dita vaga para o mestrado! Educação, Instrução, Formação são o único futuro possível para o género humano.
Abraço! :-)
Lindíssimo!
A morar no concelho de Sintra tenho Lisboa no coração, apesar de todos os problemas é uma cidade que eu adoro.
Voltando ao Fernando queria só dizer que o Caeiro é uma das minhas maiores paixões poéticas. talvez por ter passado a infância no campo me identifique tanto com a poesia dele.
Gosto dos poetas que cantam a natureza.
Um abraço
Olá Special K!
Muito obrigado por mais esta oportunidade de nos conhecermos melhor!
Durante muitos anos, Caeiro - o Mestre! - foi também o meu preferido, seguido de perto pelo ortónimo. Depois fui conhecendo melhor a «família» e hoje, de algum modo, divido-me entre todos eles...
Que sorte a tua, meu caro! Em tempos recentes, uma infância no campo é uma raridade! Parabéns!
Eu gosto particularmente em Caeiro daquela ignorância fingida de tudo o que é da cultura dos homens e da «ciência do ver».
«Trabalho a prosa dos meus versos como um carpinteiro» (cito de cor...)
Fico contente por teres gostado! Haverá mais, sem dúvida, com ou sem Lisboa pelo meio...
Abraço! :-)
Ola Ric,
Thanks for the pictures of Lisboa. There is definitely some beautiful architecture there. It brings back good memories.
Bom fim de samana,
Kev in NZ
Olá Kevin!
I'm glad you liked them, dear friend. The posts about Lisbon are specially meant for all foreign blogger friends!
Um bom fim-de-semana para ti também!
(Lol! So easy for me!...) :-)
Nossa!
Mas esse poema é meio misantrópico, hein!rs
Abração!
Olá Leo!
Sê Bem-vindo ao DVPeA! Rsrs!
Este poema é um exemplo do lado «nocturno», sombrio de Álvaro de Campos, que se opôe à sua mais conhecida face futuristo-sensacionista.
Foi assim que Fernando Pessoa encenou o seu mundo interior.
Um abração! :-)
É desalento, é solidão...é magnifico! É Pessoa...
É sempre bom ler Pessoa!
Abraço
Olá João C.!
É um Álvaro de Campos que «não se aguenta em cena» enquanto espampanante «futuristo-sensacionista» e se vai abaixo... Nestes momentos fica mais parecido com o ortónimo.
Abraço! :-)
Olá Bernardo!
É, sim senhor! E mais ainda que muitos outros! (Não faz mal um pouco de propaganda...)
Abraço! :-)
Holá Ric,
Faz tempo que não leio nada de Pessoa, ou melhor, de Campos. Que preguiça a minha! Não? Mas agradeço por ter encontrado aqui este poema que me serve de remédio para curá-la.
Bom final de semana! Abraço
nilson
Olá Nilson!
Mais vale tarde que nunca! Ao querer saber que poemas de Pessoa eu trouxe aqui mais recentemente, dei com este comentário teu sem resposta. Escapou-me... Desculpa!
Fazes muito bem em quereres curar-te dessa preguiça! Até porque Pessoa é uma excelente companhia! Nem sempre fácil, é certo, mas tem-me ajudado a compreender muitas coisas da vida. Quem é que diz que todos os poetas vivem no mundo da Lua, hem?...
Um abraço! :-)
Enviar um comentário