segunda-feira, 27 de agosto de 2007

«Sous le signe du… cygne»

Charles Baudelaire

«Le Cygne»

À Victor Hugo

I

Andromaque, je pense à vous ! Ce petit fleuve,
Pauvre et triste miroir où jadis resplendit
L'immense majesté de vos douleurs de veuve,
Ce Simoïs menteur qui par vos pleurs grandit,

A fécondé soudain ma mémoire fertile,
Comme je traversais le nouveau Carrousel.
Le vieux Paris n'est plus (la forme d'une ville
Change plus vite, hélas! que le cœur d'un mortel) ;

Je ne vois qu'en esprit tout ce camp de baraques,
Ces tas de chapiteaux ébauchés et de fûts,
Les herbes, les gros blocs verdis par l'eau des flaques,
Et, brillant aux carreaux, le bric-à-brac confus.

Là s'étalait jadis une ménagerie ;
Là je vis, un matin, à l'heure où sous les cieux
Froids et clairs le Travail s'éveille, où la voirie
Pousse un sombre ouragan dans l'air silencieux,

Un cygne qui s'était évadé de sa cage,
Et, de ses pieds palmés frottant le pavé sec,
Sur le sol raboteux traînait son blanc plumage.
Près d'un ruisseau sans eau la bête ouvrant le bec

Baignait nerveusement ses ailes dans la poudre,
Et disait, le cœur plein de son beau lac natal :
« Eau, quand donc pleuvras-tu? quand tonneras-tu, foudre ? »
Je vois ce malheureux, mythe étrange et fatal,

Vers le ciel quelquefois, comme l'homme d'Ovide,
Vers le ciel ironique et cruellement bleu,
Sur son cou convulsif tendant sa tête avide,
Comme s'il adressait des reproches à Dieu !

II

Paris change ! mais rien dans ma mélancolie
N'a bougé ! palais neufs, échafaudages, blocs,
Vieux faubourgs, tout pour moi devient allégorie,
Et mes chers souvenirs sont plus lourds que des rocs.

Aussi devant ce Louvre une image m'opprime :
Je pense à mon grand cygne, avec ses gestes fous,
Comme les exilés, ridicule et sublime,
Et rongé d'un désir sans trêve ! et puis à vous,

Andromaque, des bras d'un grand époux tombée,
Vil bétail, sous la main du superbe Pyrrhus,
Auprès d'un tombeau vide en extase courbée ;
Veuve d'Hector, hélas ! et femme d'Hélénus !

Je pense à la négresse, amaigrie et phtisique,
Piétinant dans la boue, et cherchant, l'œil hagard,
Les cocotiers absents de la superbe Afrique
Derrière la muraille immense du brouillard ;

A quiconque a perdu ce qui ne se retrouve
Jamais, jamais ! à ceux qui s'abreuvent de pleurs
Et tettent la Douleur comme une bonne louve !
Aux maigres orphelins séchant comme des fleurs !

Ainsi dans la forêt où mon esprit s'exile
Un vieux Souvenir sonne à plein souffle du cor!
Je pense aux matelots oubliés dans une île,
Aux captifs, aux vaincus !… à bien d'autres encor !

Les Fleurs du Mal (1857)



«O Cisne»

A Victor Hugo

I

Andrómaca, penso em ti! O pequeno rio,
Pobre e triste espelho onde outrora brilhou tanto
A imensa majestade do teu desvario,
O falso Simóis regado pelo teu pranto,

Fecundou num clarão minha fértil saudade,
Quando eu andava pelo novo Carrousel.
Foi-se a velha Paris (a forma da cidade
Muda mais rápido que o coração, infiel);

Só na memória revejo os velhos sobrados,
Pedaços de colunas, montes de argamassa,
As ervas, o limo nos muros esverdeados
E o bricabraque reluzindo nas vidraças.

Ali havia noutros tempos um viveiro;
Lá eu vi, certa manhã, quando sob o céu
Frio e claro o Trabalho acorda e o nevoeiro
De pó sobe das ruas como negro véu,

Um cisne, que da gaiola havia escapado,
E, esfregando os pés no calçamento incerto,
Arrastava as plumas brancas no chão crestado.
Perto de um rego sem água, o bico aberto,

Banhava as asas na poeira, com aflição,
E dizia, sonhando com o lago natal:
"Água, quando choverás? Onde estás, trovão?"
Vejo a ave infeliz, mito estranho e fatal,

Apontar para o céu como o homem de Ovídio,
Para o céu irónico de um azul maldoso,
Torcendo a cabeça sobre o pescoço ofídio,
Como amaldiçoando o Todo-poderoso!

II

Paris muda! Mas na minha melancolia
Nada mudou! Velhas ruas, nova cidade,
Palácios, para mim tudo é alegoria
E nada pesa mais do que a minha saudade.

Diante do Louvre, uma imagem me oprime.
Penso no meu grande cisne, fora de si,
Como os exilados, ridículo e sublime,
Roído pelo desejo! E penso em ti,

Andrómaca, esposa de um herói bravio,
Escrava que Pirro tratou como um feitor,
Curvada em pranto sobre um túmulo vazio;
Mulher de Heleno, a viúva de Heitor!

Eu penso na negra, esquálida e doente,
Os pés na lama, o olhar perdido a buscar
Um coqueiral da África, inexistente,
Atrás do muro de névoa de um boulevard;

Penso em quem perdeu o que não se recupera
Jamais, jamais! Em quem mata a sede chorando
E mama na Dor como numa boa fera!
Nos órfãos famintos, como flores murchando!

Na floresta onde o meu espírito se esconde
Estas lembranças soam por todos os cantos!
Penso nos náufragos, largados não sei onde,
Nos presos, nos vencidos!… E noutros, tantos!

Tradução de Jorge Pontual, em «New York on Time»



Tive decerto a inaudita sorte de encontrar esta magnífica tradução portuguesa que me deixou completamente rendido e extasiado…
A tal ponto que já não sei exactamente de que poema gosto mais – se do francês, se do português…
Há tradutores que, porventura, estarão na posse da divina chave secreta…
Uma excelente semana para todos!

RIC

10 comentários:

Oz disse...

Uma belíssima tradução, sem dúvida!
E quem já não se sentiu, um dia por outro, nas penas do cisne exilado num "mundo" onde nada parece familiar nem feito à nossa medida.
Um bom mote para iniciar mais uma semana.
Abraço.

RIC disse...

Olá Oz!
É mesmo uma maravilha! De uma perfeição formal decerto inigualável! Vou ler atentamente todas as outras traduções que o Jorge Pontual fez da obra de Baudelaire. E são muitas!
... Quase como se fosse o síndroma da total inadaptação... Tens razão, meu caro!... E não são raros esses dias...
Ainda bem que gostaste!
Uma boa semana para ti!
Abraço! :-)

CTG disse...

Very cool poem and I LOVE the piece of flute music... WOW.. thanks. CTG Tu sais mon vrai nom, lol...

GMaciel disse...

A excelência respira-se, entranha-se, extasia-nos. Mergulhar os olhos nela, é deixar que o corpo, e não apenas a mente, se eleve à intocável perfeição.
E há melhor forma de nos deixarmos levar pelos sentidos?
beijos

kevin disse...

Ric,
Une autre 'post' en francaise. Tres tres impresif.

Wie gehts heute? Was machst du? Ich, Ich habe gearbeit, acht und halb stunden. Jetzt, ich bin mode (je suis fatigue). Ich werde schlaffe gut!

Kev in Nieuw Zeeland.

RIC disse...

Hello CTG!
Welcome, dear friend! I do know your name, but nicknames can also be funny...
Let us just say that piece is dedicated to you, since you are a flutist yourself. Curiously enough, Mozart composed this concerto in Paris (if I'm not mistaken) because he «had to», and had no especial preference either for flute or for harp... And yet, that music is heavenly beautiful! Work of a genius!
If you want - and feel like it - you can begin your training in Portuguese with «O Cisne». I'll give you some further indications by e-mail.
Alles van de beste vir jou!
Ciao! :-)

RIC disse...

Olá Graça!
É um excelente começo, sem dúvida! Como tu mesmo disseste, dos sentidos passamos então ao espírito, e então o êxtase é total.
É muito curioso o percurso mental de Baudelaire neste poema e as associações que ele faz e nos leva a nós leitores a fazer. O mesmo poderia dizer da música de Mozart...
Um beijinho! :-)

RIC disse...

Tag, lieber Kevin!
Heute soll's also auf Deutsch! Na gut!
Das Gedicht hat dir gefallen. Prima! Meines Erachtens sollte man Baudelaire besser kennen. Sein Werk ist fabelhaft, und «Die Blumen des Bösens» enthält viele wunderbare Gedichte.
Heute habe ich nicht viel getan, ausser ein bisschen lesen und schreiben. Wie immer! So ist ja mein leben...
Du hast ziemlich lange gearbeitet! Kein Wunder, du bist müde!
Also gute Nacht, mein lieber! Schlaff gut!
Liebe Grüsse aus Lissabon! :-)

(... Am I getting a black eye now?... Lol!!!)

Shadow disse...

Abençoada tradução!
Fiquei «muda»...e com a curiosidade aguçada em relação a outras traduções de Jorge Pontual.

Beijinhos e boa semana :-)

RIC disse...

Olá Carla!
Ficaste muda? Também eu! Rs!
Já tive oportunidade de ler mais umas quantas traduções de poemas que conheço melhor do que este e o meu deslumbramento mantém-se: salvo um caso de «grande» liberdade de tradução (que não me agrada), quase todas as outras são excelentes!
Vale a pena ir lá e ler ao acaso da escolha!...
Beijinho para ti também! :-)