«1888
No dia 13 de Junho, pelas 3 e 20 h. da tarde nasce em Lisboa, no Largo de S. Carlos, n.º 4, 4.º andar esquerdo, num prédio fronteiro ao prestigioso Teatro de Ópera, um rapaz que um pouco mais tarde será baptizado com os nomes de Fernando António. Exactamente Fernando António Nogueira Pessoa.»
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui – ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
A que distância!…
(Nem o acho…)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes…
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim…
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui…
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas – doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado –,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!…
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!…
Álvaro de Campos
15 de Outubro de 1929
RIC, em sentida homenagem ao Eterno Viajante.
14 comentários:
Caro Ric
há um ano atrás, eu andava muito longe dos blogs, e portanto é o meu primeiro 13 de Junho de blogosfera; mas, e acredita que estou a ser sincero, pensei ontem, que o teu édito de hoje seria sobre Fernando Pessoa. Serei bruxo???
Abraço.
Parabéns pela escolha! Viva o Santo António, viva a Ode Marítima! Viva a Ode Triunfal! Zás, trás, pás, vruuuuuum, trunga! ;)))
Bom feriado.
Olá João C.!
Rsrsrsrs!!! Não, meu caro, bruxo não serás (espero!); eu é que, neste meu particular, sou obviamente previsível...
Mas é uma previsibilidade que muito me agrada! É o único assunto que, para mim, hoje, «encaixa» na perfeição no 13 de Junho.
Abraço! :-)
Olá João M.!
Rsrsrsrs!!! Deuses, a noite transportou-te no tempo e acordaste sensacionista, futurista e tudo! Parece mesmo que «à dolorosa luz das lâmpadas eléctricas, tens febre e escreves»!
Rsrsrs!
Obrigado!
Um abraço! :-)
I want to hear you sing.
Olá Ric
Oh não! Esse senhor precisava era de haldol, mas na altura ainda não tinha sido sintetizado. Não sei porquê - e eu até gosto de poesia portuguesa - mas esse senhor sempre me fez alergia.
Como postagem alternativa, sugeria as nuvens de Zyklon B, vulgo fumo de sardinhas e pimentos, que invadiram Lisboa.
Desculpar qualquer coisinha, não vou à cama desde segunda-feira.
Abraço
Manuel
O Fernando, o Mário, o Almada e essoutro que não era Caeiro estão entre os meu predilectos na escrita portuguesa do século XX. Mas para mim, hoje, é dia do Al Berto - até porque faz já 10 anos... E nem o Pessoa discordaria, se lhe fosse possível concordar. Abcs para todos,
Hello dear Minge!
Welcome back!
I guess you're still a little bit lost between Tokyo and Edinburgh...
And what should I sing for you? In which language?...
You choose, you have the saying.
Best wishes!
:-)
Olá Manuel!
Compreensível, muito compreensível, o teu estado de espírito... Rsrsrs!
Quanto a Pessoa, «prends garde à toi»!... Se algum prof pouco dotado te fez o favor de o matar, será difícil a recuperação... Concordo. Ah, aceito (sem compreender) que possa haver quem não goste da poesia dele...
Ainda bem que esse Zyklon B é... biodegradável... O outro é biodegradante.
Desejo-te, para já, uma recuperação eficaz.
Um abraço também para ti! :-)
Olá Luís!
Que bom gostares deles todos! Eu também!
Hoje tinha de ser, para mim, um dia de comemoração «pela positiva». O mês de Junho já tem uma carga pesada demais no que diz respeito aos que já partiram...
(Tens lá umas quantas... minhas. Não pude evitar...)
Obrigado!
Um abraço! :-)
a historical Portugal connection in this post.
http://buckleofthebiblebelt.blogspot.com/2007/06/know-your-saints.html
Hello dear Will!
Today's Lisbon holiday: Saint Anthony died on June 13.th in Padua, Italy, as you know. For us, he is Saint Anthony of Lisbon, of course!
But - I guess you've understood it - I wrote about our greatest poet's birthday, Pessoa. As he was born on this day, he was also given the name «António».
Thank you for the link!
A great day to you! :-)
Please sing, "Kiss me, honey, honey, kiss me. Thrill me, honey, honey, thrill me..."
English will be perfect.
I'm sure I do know that one, Minge, I'm just not getting the right melody in my mind...
What about: «I've been waiting such a long time, looking out for you, but you're not here. What's another year?»...
That's what I'm listening to right now. And singing along too!... English is no trouble at all!
Enviar um comentário