Sobretudo de Verão, quando ao fim do dia o calor opressivo dava algumas tréguas tépidas até à manhã seguinte, sentava‑me àquela janela – um altar da minha infância – e deixava‑me ali ficar, no embalo da luz que se escoava, a contemplar a serena transformação da paisagem da foz do Tejo…
Ainda hoje o faço. Já sem aquela devoção, debruçado de outro altar, mas com a mesma reverência, como se esteja a celebrar um acto pleno de significado para mim e para o mundo.
Àquela hora, arrebatam‑me os volumes arredondados das colinas transpontinas que encaminham o rio para a libertação, como maternas mãos que deitem a criança adormecida.
À medida que em terra se vão acendendo as luzes, o rio vai empalidecendo e, aos poucos, como um espelho, vai imitando a transfiguração do céu que o cobre.
De um fundo sem lugar vêm vindo à tona daquela toalha de água estendida sobre o meu altar tonalidades cada vez mais escuras, que se vão fundindo com as daquele céu a fechar‑se.
O azul forte do dia claro e sem vestígio de nuvens vai decaindo primeiro para o anil, depois para o violeta que se acinzenta, logo passa a cinza baço e depois a negro, a oriente.
A ocidente, irrompe uma breve mas violenta convulsão de vermelhos, laranjas fulvos, dourados brilhantes e ocres fortes.
Quase suspendo a respiração perante tanta beleza no mistério desta hora mágica. Ou tanto mistério na sua beleza, o que é igual.
As formas vão‑se dissolvendo em cascata, como se ruíssem em silêncio, sem dimensão, e já só variam alguns tons de anil forte e cinza.
Ao de leve, cores e formas, contornos e volumes, diluem‑se no negro que tudo vai escondendo.
As luzes acesas – estrelas em terra – vão‑se apropriando dos espaços que de dia dão forma à paisagem e diferenciam os lugares.
De súbito, o negro ocupa tudo.
A ponte é uma grinalda reluzente a engalanar a cidade contra o negrume que a oculta.
A perder de vista, reverberam halos de miríades de luzes coloridas, outras tantas cintilações de estrelas ancoradas em terra, ao despique com as muitas do céu que vogam à tona de um oceano negro retinto.
O Tejo desaparece.
É noite.
RIC
Ainda hoje o faço. Já sem aquela devoção, debruçado de outro altar, mas com a mesma reverência, como se esteja a celebrar um acto pleno de significado para mim e para o mundo.
Àquela hora, arrebatam‑me os volumes arredondados das colinas transpontinas que encaminham o rio para a libertação, como maternas mãos que deitem a criança adormecida.
À medida que em terra se vão acendendo as luzes, o rio vai empalidecendo e, aos poucos, como um espelho, vai imitando a transfiguração do céu que o cobre.
De um fundo sem lugar vêm vindo à tona daquela toalha de água estendida sobre o meu altar tonalidades cada vez mais escuras, que se vão fundindo com as daquele céu a fechar‑se.
O azul forte do dia claro e sem vestígio de nuvens vai decaindo primeiro para o anil, depois para o violeta que se acinzenta, logo passa a cinza baço e depois a negro, a oriente.
A ocidente, irrompe uma breve mas violenta convulsão de vermelhos, laranjas fulvos, dourados brilhantes e ocres fortes.
Quase suspendo a respiração perante tanta beleza no mistério desta hora mágica. Ou tanto mistério na sua beleza, o que é igual.
As formas vão‑se dissolvendo em cascata, como se ruíssem em silêncio, sem dimensão, e já só variam alguns tons de anil forte e cinza.
Ao de leve, cores e formas, contornos e volumes, diluem‑se no negro que tudo vai escondendo.
As luzes acesas – estrelas em terra – vão‑se apropriando dos espaços que de dia dão forma à paisagem e diferenciam os lugares.
De súbito, o negro ocupa tudo.
A ponte é uma grinalda reluzente a engalanar a cidade contra o negrume que a oculta.
A perder de vista, reverberam halos de miríades de luzes coloridas, outras tantas cintilações de estrelas ancoradas em terra, ao despique com as muitas do céu que vogam à tona de um oceano negro retinto.
O Tejo desaparece.
É noite.
RIC
14 comentários:
A noite que cobre tudo com o seu mando negro...
... E as muitas luzinhas de amabas as margens que pretendem contrariar o efeito do manto negro...
Um abraço para ti, Lampejo! :-)
Amigo Ric
amanhã à noite "vamos" fazer esse itinerário e estou certo que alguém ficará "arrebatado" com essa paisagem, da mesma forma como eu estou a ficar com a tua prosa deste princípio de ano.
Tanta "merda" (desculpa o termo), a publicar "livrecos" e tu com isto tudo guardado só paqra ti?
Parece-me muitoinjusto, meu aqmigo.
Bem... Agora aconteceu uma coisa que comigo não é muito habitual: ficar sem saber o que dizer.
Sabia que não deixarias de comentar este édito, mas estava longe de imaginar que adivinhasses que havia coisas escritas guardadas. É evidente por um lado, mas por outro não é. Escrevo com facilidade há muitos anos, mas só fiquei convencido de que podia escrever alguma coisa de jeito quando o meu melhor amigo e crítico ficou emocionado com um texto meu. Corria o ano de 1985 e eu estava ocupado com o meu estágio.
És capaz de ter razão quanto a ser injusto não tentar publicar. Mas sabendo-me o perfeccionista que sou, alguma água passará debaixo daquela ponte até eu me dar por satisfeito com o produto final...
Confesso, todavia, que estão a encorajar-me - e a desafiar-me - estas reacções...
Talvez 2007 me reserve uma surpresa, e eu a fique a dever aos amigos bloguistas... Vamos ver!
Um sentido abraço pela tua simpatia e generosidade! :-)
Lindo! Lindo! Lindo, Ric! Incrível mesmo!
Mas lendo o comentário do Pinguim, pude ver que aí em Portugal tá acontecendo a mesma coisa que aqui no Brasil: pessoas sem conteúdo e que falam merda o tempo todo sendo tratadas como heróis da sociedade; e pessoas talentosas e capazes de transmitir as melhores idéias esquecidas no anonimato.
Infelizmente, parece que isso tem acontecido na maioria dos países, né?
Bom, um abraço!
Olá Carioca! Boa noite/bom dia!
Muito obrigado! Estou quase a ficar admirado comigo próprio... (Rsrsrs!)
Quanto ao que se passa nas nossas sociedades, os media detentores de uma boa parte do poder estão apenas interessados em anestesiar as massas com programas de m...rda. Não convém nem pensar nem admirar o Belo e o Bom. E os livreiros vão atrás, é claro, e só querem publicar lixo. Resultado: um livro que não seja um best-seller (é claro!) não se aguenta nos escaparates das livrarias mais de um mês; depois, é destruído.
Qual o interesse de publicar nestas circunstâncias?...
Obrigado pelo teu entusiasmo, meu querido!
Um abraço amigo para ti também!
Very nice picture.
That the bridge you showed us before right.
The one that looks like the Golden Gate? Or vice versa.
Hello, dear Joel! Quite right, that's exactly the very same bridge, the one that looks like the Golden Gate, since this one was built earlier, and ours was built by the same American corporation in the first half of the 60s.
The text tries to depict sunset on the Tagus in a «literary» way...
Hugs!
Tu ficaste "sem palavras" para responder ao pinguim e eu para comentar este post!
É que me apetece dizer tantos adjectivos, mas todos "melhores que óptimo", que me pareceu poderia soar a falso, sei lá!
Assim, vou-me servir de algumas frases de pessoas que eu admiro muito.
O MEU pai - Está de meter inveja!
Uma GRANDE amiga - Só tenho um adjectivo - GOSTEI!
É pá (descendo à terra!) deixa-te de mer... e publica lá essas coisas! É que perfeitos só os amores (flores, entenda-se!!!)
Abraço
Adoro-te, Imperador, pelo teu excelso (!) sentido de humor! Bem hajas!
E muito obrigado! Agrada-me que te tenha agradado, pá! Baril que estejas nessa! :-)
Prometo solenemente organizar-me no sentido de tudo tentar para publicar!
Um grande abraço!
Wow! Such a description of vibrant colors!
I'm really happy that I translated this poem!! Only a few words didn't translate properly. BUT, because of the rest of the words, it was easy to understand the meaning!
I would love to meet any man who could talk like this author wrote!!
Eu vou cobrar essa promessa.Ainda por cima "solene"...
"Tás" tramado!!!!!
:)
Hello, dear Gray! I'm really happy you took the time and had the trouble of translating this text. Thank you very much!
Well, «this author» is now talking to you... But unfortunately he doesn't speak like that everyday... I believe that wouldn't be possible or advisable...
Wish you the best, dear friend!
:-)
'Tá bem, meu caro Imperador, fica registada a cobrança e a exclamativa ameaça... (Rsrsrs!)
Vou ter de reajustar o meu horário de actividades diárias. Vamos ver!
:-)
Enviar um comentário