segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

I. Da Língua Portuguesa (5)


"Ein jeder, weil er spricht, glaubt, auch über die Sprache sprechen zu können."

Qualquer um, porque fala, julga que também sabe falar sobre a língua.

Johann Wolfgang von Goethe

«Ao entrar no avião sou mais uma vez surpreendido pela música de bordo. Ouve‑se a Valsa n.º 2 da Suite de Jazz de Dmítri Dmítrievitch Chostakóvitch, que me traz sempre à mente, só Deus saberá porquê, um carrossel de feira já velhinho, a girar a uma cadência que não pára de soar, roufenha e desafinada. Um número circense a bordo até que teria o seu encanto…

Pego num exemplar do único diário português disponível. Há quase uma quinzena que não vejo um jornal português, e isso predispõe‑me à leitura, mais até do que as notícias de casa. Nem mesmo o facto de ser um tablóide que não costumo ler diminui a minha curiosidade, ansiosa por leitura fresca. Mas depois de vistas as gordas na diagonal, como faço por hábito num primeiro ataque à mole de notícias, o interesse esfuma‑se, e um desencanto antigo, quase esquecido, volta revigorado de um recanto ignorado do espírito.

A razão está menos no conteúdo das más notícias que nos desconchavos de um vocabulário catacrético muito em voga e de um discurso pernóstico repetido por todos em toda a parte, mais‑que‑vazio, com traduções marteladas pelo meio e um domínio absoluto do portunglês. Um dia destes, ainda algum criativo, vanguardista e inovador, dirá que os resultados de um adversário são piolhosos, apenas porque a idiomática anglo‑saxónica considera que mau e piolhoso se equivalem. Pois é. Cada um vê o mundo como pode…

Então é assim. Tudo está em cima da mesa, nomeadamente pacotes disto e daquilo, e tudo é para implementar, se devidamente agilizado. E tudo tem sempre grande impacte sobre tudo.
O sussurro mais anódino é evento ou problemática que marca a agenda e tem de ser fenómeno transversal a qualquer coisa. Por tudo e por nada há que criar uma cultura disto ou daquilo, segundo este ou aquele vector, porque tudo é incontornável nas suas vertentes que são ora estruturantes ora fracturantes, mas que, uma vez elencadas, são sempre espectaculares.
Tudo é objecto de paixão e congrega sinergias que, a propósito e a despropósito, geram muita adrenalina, o que é uma janela de oportunidades e pode ser uma mais‑valia muito gratificante para todo aquele que é garante de excelência e cujo perfil denota uma postura cinco estrelas

"Que ferro!" diria decerto Eça.
O meu enfado cresce além do suportável, atiro nauseado o jornal para o assento do lado e reservo o pouco interesse que ainda me resta para quando chegar a Lisboa.
Será que vou encontrar alguma coisa melhor?»

(Ficção inédita)

RIC

4 comentários:

Anónimo disse...

Sabe, há pouco tempo foram lançados dois jornais aqui no Rio que visam a um público mais simples. O problema é que, além de, do jornal, tirarem-se poucas coisas que realmente podem ser consideradas "utéis", o descaso com a norma culta da língua (deveríamos esperar seu uso em um jornal, não?) é gritante...

Beijão!!!
=)

PS: Você não está em Portugal??? =D

RIC disse...

Olá Lê! Como nós dizemos por aqui, pasquins é o que mais há no mercado: tablóides sensacionalistas sempre a farejarem o último escândalo que, quando não encontram, inventam...
Quanto a ambas as normas cultas - a daqui e a daí -, estou em crer que só estaremos tranquilos na presença de um escol muito selecto de escritores. E neste aspecto podem chamar-me elitista à vontade, porque o sou! Só me interessam de facto os melhores! Já não tenho idade para perder tempo a ler o que não presta - antigo ou moderno...
Quanto a estar em Portugal, é óbvio que estou, «né»?... Mas também estou na Europa e faço parte de uma comunidade linguística com mais de 200 milhões de falantes. Seriam razões de sobra para evitar tanto desvario...
Beijão! :-)

T-Bird disse...

Ouve‑se a Valsa n.º 2 da Suite de Jazz de Dmítri Dmítrievitch Chostakóvitch. Okay, what about the Jazz suite????

Nice new profile pic.

RIC disse...

Well, dear Will, if you definitely want to know about that, I guess you - the expert, the brainiac - will have to find out a really top quality translation software, because this is a literary text. I bet Altavista or any other would turn it into a cocktail - quite shaken!
I only refer to waltz no. 2...
As to the icon, I was getting a bit tired of looking like David, so I decided to change to Antinuous... The power of suggestion is much stronger indeed...
Thanks a lot!