segunda-feira, 16 de outubro de 2006

II. Para uma tradução mais pertinente


É assunto até certo ponto bizantino ou de lana-caprina, se quiserem. Uma das minhas chinesices. Ainda assim, relevante a ponto de me fazer discorrer sobre o facilitismo – e, quantas vezes, a impertinência – de certas traduções que não passam, afinal, de negligentes transposições. Fácil e cómodo.

Com algumas até nem sinto grandes pruridos em concordar, admito. Não sou purista, logo não considero que tudo o que é palavra/conceito alienígena tenha forçosamente de ser transposto para o vernáculo, sob pena e insano perigo de se descaracterizar o luso idioma. Mas… devagar com o andor que o santo é de barro…

Há extremos que dificilmente compreendo, como por exemplo a transposição para Latim, no dicionário actualizado da mesma língua editado e publicado pelo Vaticano, da excelsa lexia "hambúrguer"… Já esta versão lusa consegue dar‑me volta ao estômago, quanto mais ter de imaginar um Horácio ou um Virgílio a discorrerem sobre carne picada… Pelo egrégio panteão olímpico!

Eis‑me chegado ao busílis da questão: traduzir para Português a lexia anglo‑americana "post" no sentido restrito que assume neste preciso contexto em que nos encontramos – num weblog:

i) Post (posting, posted) - transitive verb: to publish, announce, or advertise by or as if by use of a placard; to affix to a usual place (as a wall) for public notices.

ii) Postar (verbo intransitivo): publicar.

Se o verbo inglês selecciona um objecto directo, já o português – pelo que me tem sido dado observar – é usado intransitivamente, seguido da preposição "sobre" ou locução prepositiva equivalente (por exemplo, "acerca de").

É, porém, em relação ao substantivo cognato que se levantam questões menos pacíficas. A partir de "postar" obteríamos por derivação regressiva três possíveis formas, a saber, "posto", "posta" e "poste" – as únicas possíveis. Não será necessária grande pesquisa para concluir que todas elas são formas vivas do Português europeu, que pelo menos uma é polissémica e que não só não se afigura pertinente criar mais um homónimo, como não (me) soa nada bem designar uma realidade eminentemente textual/visual através de um substantivo com uma carga semântica histórica tão concreta/material.

Já o campo semântico de "editar" me parece mais adequado e disponível para albergar um novo elemento. Estaríamos assim perante um neologismo.

iii) Edital: algo que se afixa em lugares públicos ou se publica na imprensa para conhecimento de todos.

iv) Édito: ordem judicial publicada por anúncios ou editais.

Enquanto "edital" me parece remeter ainda em demasia para categorias concretas/materiais, já "édito" é, quanto a mim, uma séria possibilidade: é um vocábulo da ordem jurídica que pode perfeitamente adquirir um homónimo sem contaminações semânticas para nenhum de ambos.

É, pois, a proposta que vos deixo e que eu próprio, aliás, já adoptei, como poderão constatar pela amostra à direita. E apenas por razões de coerência decidi também traduzir "posted by" por "editado por". Mas nada obsta a que o tivesse feito por "postado por".

[This post deals with the difficulty the translation into Portuguese of the English noun "post" in a weblog context arises. My proposal is that the Latin etymon "edit" should be preferred. Care to comment?]

11 comentários:

Anónimo disse...

Ao contrário de ti, Ric, não acho assunto de lana-caprina. Aliás, até acho bastante pertinente este teu édito (a habituar-me). E algo curioso também...
Quanto ao postado/ editado, permite-me dizer que : Quando se fala em «postado por», faz-me lembrar alguém colocado de vegia. Sem dúvida o «editado por», fica muito mais lógico. Isto na minha modesta opinião, claro.

Boa semana :-)

Anónimo disse...

Queria dizer vigia, e não vegia.

(É o que faz não ler antes... sorry! )

Anónimo disse...

Embora visite habitualmente o seu blog, é a primeira vez que deixo umas palavras..
Muitos parabéns..


Boa noite e boa semana..

RIC disse...

Querida Carla, como vai isso? E muito obrigado! Eu sinto exactamente o mesmo em relação ao verbo «postar», daí a tentativa de encontrar um substituto a contento. E «editar» parece-me ser um bom candidato.
Boa semana para ti também! :-)

RIC disse...

Muito obrigado «to the other side»! E seja bem-vindo/a! Esteja à vontade para comentar o que entender!
Boa noite também e uma excelente semana! :-)

André disse...

É realmente muito aborrecido andar a decalcar para Português o vocabulário Inglês sempre que o achamos mais ajustado. A verdade é que o vocabulário inglês é, de entre todos, aquele que mais depressa cresce, basta notar que toda a investigação científica se faz em Inglês. Na minha opinião, ao tentarmos incorporar na nossa língua estes neologismos por meio de um conjunto de transformações grosseiras, que são na verdade sempre as mesmas, só estamos a ajudar a destruir a nossa língua, que tão bonita é. A minha posição de príncipio é usar estes novos termos em Inglês e não as versões aportuguesadas.

Jack disse...

Hi Ric,

I consider my blog my journal, diary.

A post is an article, a column, a story.

I don't know how you guys use the word edit, does it mean a short version? An "edited" version?

Post = posting, putting something up.

I don't know.

RIC disse...

Em princípio estou de acordo contigo, André. A facilidade com que o Inglês expande o domínio lexical prende-se sobretudo com o facto de ser uma língua situada na fronteira de dois grandes grupos linguísticos ocidentais (ou indo-europeus, neste caso tanto faz): o românico e o germânico. Pode assim servir-se dos mecanismos que ambos os sistemas possibilitam.
O verdadeiro problema está em quem acriticamente se lança na aventura idiota do «printar», «teclar», «textar» e por aí fora. Há todo um manancial lexical de origem greco-latina que, mobilizado por quem sabe, evitaria situações de verdadeira subserviência linguística. E para mim é evidente: quanto mais cultos (no sentido de «com estudos») as gerações mais jovens forem, menos hipóteses haverá de certas palavras serem absurdamente decalcadas, afinal, por pura ignorância da nossa própria língua e das suas potencialidades.

(Que linda música que tu me deste esta manhã... Obrigado!)

RIC disse...

Dear Joel, thank you very much!
The use we make of «edit» is not the Anglo-saxon one, but more like the French one, which means the word has still potential that «post» has not anymore (too many meanings already, dealing with quite material things). Whereas «edit» can still recover this new meaning area quite well.
You do know... :-)

Gray disse...

I am sorry that I am not much of a linguist nor a polyglot! I will have to ponder the differentiations which you explained to Joel before I can answer your question.

RIC disse...

Thank you very much, Gray, for being so considerate! And take all the time you need! Both etyma are Latin, but the Portuguese use of «post» is a whole lot different from the English one, which is understandable since English is a Germanic language, no matter the rather strong French/Latin influence.
(I'll be back to you to comment on your «Sixth Day»...)