Em muitos aspectos, continuamos a ser «mais papistas que o Papa». O Alemão é uma língua germânica, ao passo que o Português é um idioma românico ou novilatino, tal como o Francês. Até aqui, nada de novo. Constata‑se, porém, com não pouca estranheza, que dossier, em tempos um galicismo abominado pelos lusos puristas – propunham eles como substituto pasta ou arquivador –, permanece em Alemão com a mesmíssima roupagem gráfica, apesar da reforma recentemente aprovada e que tanta celeuma tem causado em terras trans‑renanas. Em Português, ao invés, embora bem mais próximo do Francês que o Alemão, os bem‑pensantes nacionais «acharam» tal grafia «opaca» demais e avançaram com o barbarismo ortográfico «dossiê», o qual, aliás, não é caso único nos «avanços» contra a herança cultural novilatina, vetusta de quase três mil anos.
Porquê o medo do verbo «declamar»?! A poesia não pode ser apenas dita. Ela deve ser declamada; tem de ser declamada. Doutro modo, não seria poesia, mas apenas prosa rimada. Todo o diseur – galicismo supérfluo – é um declamador, goste‑se da palavra ou não. (Mas depois temos o reverso da medalha: na telenovela mais inqualificável, actores e pseudo‑actores – julgando‑se quiçá no palco do D. Maria – declamam arrazoados de impossíveis diálogos como se de pérolas dramáticas se tratasse.)
São muito cultos, alguns jornalistas nossos! (Não é garantido que sejam de jure jornalistas, mas que de facto escrevem em jornais, escrevem.) E é com inegável mestria que dominam o Português: sabem que há snipers, mas parecem ignorar o que são franco‑atiradores; anunciam mudanças no west bank, sem que se chegue a saber se é à margem ocidental do Jordão que se referem.
O insucesso escolar é uma consequência directa da sociedade que temos vindo a construir – mal! – e que, em alguns aspectos, temos até vindo a destruir, por força de imitações descabeladas do que de pior nos chega um pouco de toda a banda. É o desnorte. As escolas pouco mais podem fazer que acompanhar os tempos e as tendências. Nunca foram revolucionárias, nem nunca o serão.
… Para encarar a semana bem de frente, olhos nos olhos, e reavivar o espírito crítico que um Verão bem vivido pode ter deixado meio letárgico…
domingo, 17 de setembro de 2006
Pérolas negras...
Editado por RIC às 22:40
Separadores: Crítica Cultural
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2 comentários:
Aqui no Brasil também existe uma luta constante entre os que aceitam e os que rejeitam os “estrangeirismos”. Principalmente em relação às palavras que vêm dos Estados Unidos.
Por exemplo, tem gente aqui que fala “night” em vez de “noite”, “know-how” em vez de “conhecimento”, “happy end” em vez de “final feliz”... Isso pra dar um pequeno exemplo, né? E alguns gramáticos dizem que isso é o certo enquanto outros são radicalmente contra. E um 3º grupo defende o equilíbrio.
Bom, a incorporação de termos estrangeiros faz parte do processo de evolução de qualquer língua. Não existe língua pura! Embora alguns franceses digam que a língua deles é, né?rs
Mas eu acho normal que qualquer língua acabe adotando palavras e expressões idiomáticas de outras línguas, até porque é impossível evitar que isso aconteça de vez em quando. Só que também não pode haver um exagero aí, um descontrole, a pessoa achar que pode usar qualquer palavra de outra língua pra substituir qualquer palavra da língua dela... Se acontecer isso, vai virar uma loucura que ninguém vai entender, né?
Eu acho que tem que haver um meio-termo aí. Eu fico com os gramáticos moderados: usar palavras de outras línguas, sim; mas também sem passar de certos limites.
O critério, para que esse equilíbrio vigore e com o qual estou de acordo, parece-me simples: se a língua não dispõe de palavra ou de forma de a criar, então o estrangeirismo é necessário. Tudo o mais são modas que vêm e que vão, como é notório desde o século XIX. E qualquer língua novilatina tem, ainda hoje, meios poderosos de neologia.
E mais uma vez, Carioca, o meu muito obrigado pelo teu contributo!
Um abração olisipo-carioca!
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