quinta-feira, 21 de setembro de 2006

A beleza desfeiteada

Acontece‑me cada vez com mais frequência.
Abro um jornal ou uma revista (conceituada) ou ligo o televisor para ver o noticiário, seja qual for o canal.
Ali, são os textos atamancados quer na forma quer no conteúdo a deixarem‑me nauseado; aqui, são aqueles execráveis rodapés, quantas vezes ilegíveis, quantas vezes, ao longo de um mesmo noticiário, cravejados de disparates, de absurdos, de erros reveladores de muita ignorância, enfim, só de umas quantas gralhas compreensíveis e aceitáveis…
Com todos os instrumentos de autocorrecção de que qualquer um que escreve pode hoje em dia dispor, pergunto‑me amiúde o que estará por trás de tanto desleixo e relaxo.

Um exemplo recente da imprensa escrita:
«A frieza é, para todos nós, o congelador do desespero. Evita a dor que sentimos nos faça desabar, como um castelo de cartas. Por outro lado, se o ódio é uma espécie de tira-nódoas do sofrimento, a frieza é a melhor defesa contra o risco do ódio surgir como um vulcão que nos engole.»

Releiamos as frases em itálico, agora em Português padrão:

«Impede que a dor que sentimos nos faça desabar como um castelo de cartas.»
«A frieza é a melhor defesa contra o (risco?) perigo de o ódio surgir como um vulcão que nos engula.»

Fica em suspenso, pelo menos, uma questão de natureza semântica, dando eu de barato pretensas liberdades poéticas: como pode um vulcão engolir‑nos? «Sub-qualquer coisa», ainda vá; agora engolir…

Sobre os mistérios sintáctico‑semânticos deixo aqui uma (já vetusta) citação de Noam Chomsky (Aspects of the Theory of Syntax):

«Colorless green ideas sleep furiously in my mind.»
«Ideias verdes incolores dormem furiosamente no meu espírito.»

Parece poético, não parece?
Pois parece, mas não é.
A Poesia não é só feita de absurdas violações semânticas.
Também as usa, mas não bastam para que haja Poesia…
Erro é erro.
Liberdade é liberdade.

14 comentários:

Jack disse...

Hi!?

I'm still here!?

RIC disse...

Hello Joel! I'm so glad you are!
Follow your dream! You deserve it! :-)

Anónimo disse...

Bom, a própria compreensão dessas frases fica difícil, né?
Algumas pessoas, talvez na tentativa deturpada de transmitir uma idéia de erudição ou de intelectualidade em relação à língua, acabam escrevendo textos que ficam com esse tipo de compreensão difícil (e às vezes até impossível). Eu vou transcrever aqui uma frase que o Professor Pasquale Cipro Neto apresentou na coleção Ao Pé da Letra:
“Mais dia, menos dia, as pessoas começam a usar na escrita essas estruturas rocambolescas trazidas da fala, que tornam o texto desnecessariamente longo, cheio de rebarbas”.

RIC disse...

Estou inteiramente de acordo contigo, Carioca. Aqui em Portugal prevalece ainda a ideia errónea de que quanto mais arrevezada for a redacção de um texto (vocabulário e sintaxe), mais «chique», mais «fino», enfim «melhor» será o texto em causa... E os resultados calamitosos estão já à vista e começam a ser chocantes. A língua oral é uma, a língua escrita é outra. Mas esta luta, aqui, é bem difícil...
Um abração!

Anónimo disse...

Ric, pressupondo que não li o post até ao fim, explica-me, como se (eu) tivesse 4 anos, o que está escrito em itálico, sff.

Não sou de letras! Admito ser leiga nessa área. Mas, nunca pensei que era tanto. Bolas!!

Exemplo recente da imprensa escrita?! Devo rir?...Devo chorar?...

Boa noite :-)

Râzi disse...

Meu filho, não fique triste com essas coisas!
Aqui no Brasil também achamos disso em demasia!
Ou seja, tal "pai", tal "filho"!

Hehehehehe!

Grande abraço!

RIC disse...

Como entenderás, não vou repetir aqui o post. As questões, em síntese, são as seguintes:
i) «evitar» e «impedir» nunca foram verbos sinónimos;
ii) «risco»: corre-se / «perigo»: sofre-se;
iii) «do» e «de o» são sintacticamente diferentes;
iv) «engole» e «engula» são modos verbais diferentes.
Se deverás «rir ou chorar» é contigo. Eu é que já estou farto de ler mer... em jornais e revistas que não custam 5 tostões.
Boa noite para ti também, Carla!

RIC disse...

Ricardinho!!! Que bom saber de ti! Já tinha saudades! Juro!
Ah, mas eu não fico triste, fico apenas um bocadinho... furioso com tanta idiotice! Arre, que é demais!
(Digamos que isto funciona como uma terapia, para libertar tensões e expulsar demónios.)
E já que andas em trânsito entre RJ, Campos e Minas Gerais, prometo-te que, logo que tenha um tempinho, te vou enviar um email, está bem?
Meu caro, desejo-te muitas felicidades!
Um abração!

Anónimo disse...

De forma alguma queria que repetisses o post,Ric.A minha leiguice, chegou para entender as questões em síntese.
Claro que o «rir ou chorar», é uma deliberação minha. Eram perguntas para o 'vazio'.
Possivelmente, devia ter avisado para leres o meu comentário com alguma dose de ironia.

[Se fossem só as merd*s que lemos por aí, a fartarem-nos, estariamos menos mal.. (Digo eu)]

RIC disse...

És capaz de ter razão, Carla... Eu é que não tenho emenda, quanto à mania de ferver em pouca água.
Mas há, de facto, coisas piores. Mas estas mer... fazem com que as melhoras (escrevi bem?) fiquem sempre adiadas para as calendas gregas. E, já agora que a fervura está a levantar-se, eu não compro jornais e revistas para dar dinheiro a ch... encostados que nem sequer aquilo que escrevem se dignam corrigir. É uma questão de respeito.
« - Respeito?! Mas você chegou agora daonde?!»
Isto seria ainda o que eu teria de ouvir, e a seguir haveria porrada...
Pois é, o melhor é serenar.
Tens razão...
Fui!

Jack disse...

I dream of being able to read you how ever you write!?

lol

RIC disse...

Good evening, Joel!
Yeah, yeah, and I wish I could write and say in English what comes so natural and easy to me in Portuguese...
But I agree with you: we can surely dream of it. It may help, who knows?... :-)

Anónimo disse...

RIC,
ainda bem que chamas a atenção para estes assuntos. Tal como tu, para além de um sentimento de tristeza há, em mim, uma irritação muito grande, quando é dado espaço a pessoas que tratam a língua portuguesa desta maneira. E que têm responsabilidades.

RIC disse...

Karla! A minha fúria advém exactamente do facto de toda esta gente ter responsabilidades que altivamente ignoram. E depois, como senão bastasse, julgam-se todos grandes poetas quando escrevem prosas ridículas e, quantas vezes, cheias de erros linha após linha...
É demais e rouba a paciência a um santo!...
Beijinhos!