quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Da vil mesquinhez nacional

«Os bens supérfluos tornam a vida supérflua.»

Pier Paolo Pasolini (1922-75)

«Não mais, Musa, não mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não o dá a Pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.»

Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, X-145

Eu estou – e estaremos muitos, decerto, e felizmente! – cansadíssimos e fartíssimos da mediocridade mesquinha, pacóvia, provinciana, pirosa e bacoca que, dia a dia, vai proliferando neste cantinho peninsular. Mas é sabido que ela é endémica entre nós, como Camões bem no-lo fez notar.

Ainda que de uma forma intensa e ácida, chamando as coisas pelos nomes e pegando o touro pelos cornos, adjectivando e adverbializando, polemizar não cai nunca no insulto gratuito, na boca rasca ou no paleio acintoso.

Polemizar implica argumentar. E argumentar implica a organização lógica do discurso. E porque é por escrito, não pode haver lugar para subentendidos, alusões bacocas ou insinuações grotescas que a comunicação presencial «aguenta» por força da gestualidade. E ainda porque é por escrito, não se compadece com conversas de café sobre futebol e gajas boas, ou trapos e gajos bons – entre outros «temas»…

Há que manter o nível, mesmo no calor mais intenso da refrega mais desapiedada. E para saber fazê-lo é necessário não perder nunca de vista um valor primordial que, nos dias de hoje e de igual modo por todo o mundo, está cada vez mais arredado das relações humanas – com seriíssimos prejuízos para as nossas vidas – o respeito.

Portugal envolto em fumos mentais

Recuso-me a aceitar quaisquer «campanhas» destinadas à promoção da toleranciazinha, com a mensagem subliminar de «olhar para o lado para não insultar ou mesmo para não chegar a vias de facto». Desconfio da tolerância.

Exijo para mim, outrossim, o respeito; aquele mesmo que devo – e dou – aos outros. Nada mais. Promove-se a toleranciazinha tal como nos idos de sessenta se apregoava a caridadezinha: atitude abjecta e abominável!

Com o que é que somos confrontados a todos os níveis, sempre que se trata de qualquer polémica? Com meras picardias de baixo nível, com insultos e bengaladas à mistura, porrada verbal, banditismo e terrorismo argumentativo, discursos ornados dos useiros e vezeiros palavrões e obscenidades e sujeitos a lógicas fortuitas e aleatórias, sem qualquer intenção de convencer o adversário ou sequer de derrotá-lo inteligentemente. O que triunfa é a repugnante esperteza saloia, maledicente, que prevalece sobre tudo e sobre todos, alastrando até a níveis e a áreas onde ainda há pouco era impensável – quanto mais admissível… – que tais práticas se verificassem.

Aborreço as questiúnculas ocas e os despiques infantis que conduzem a nada vezes nada. Tenho para mim que todo o tempo é pouco para viver cada vez melhor: conviver, aprender, trocar ideias e opiniões, construir, sempre numa base insofismável de verdade e boa-fé. Tudo o que se afasta deste cânone remete-me invariavelmente para a indiferença e o silêncio.

Seremos cada vez mais terceiro-mundistas em termos de princípios e valores, e o nosso «primeiro mundo» será cada vez mais tão-só uma mera miragem, um arrebique de fachada, fruto sobretudo de mirabolantes manipulações estatísticas.

É uma casa portuguesa, com certeza!

RIC

6 comentários:

Shadow disse...

Infelizmente assim é, meu caro Ric!
Cada vez mais me dou conta disso, até em locais onde seria , para mim, impensável isso acontecer.
Nem sempre consigo remeter-me ao silêncio é à indiferença que gostaria...mas como costumo dizer: demoro mas chego lá. A cada dia fico mais convencida que será a forma mais sensata de lidar perante as mediocridades que nos vamos deparando.
Com «tropeções» também se faz caminho...
...E amanhã é um novo dia!

Beijinho! :-)

RIC disse...

Olá querida Carla!
Sempre achei que as mulheres são mais corajosas (por vezes, também mais afoitas, é certo...) a lidar com o que NÃO é agradável. Sei que é apenas mais uma generalização, mas baseio-me sobretudo no exemplo que tive em casa: a minha mãe.
A mesquinhez invejosa há muito que foi condenada: «nunca o invejoso medrou nem quem ao pé dele morou.» Mas nós portugueses parece termos sérias dificuldades em entender uma coisa tão simples...
Qualidades e defeitos de mentalidades estarão sempre onde estiverem seres com mente. Nada a fazer. O silêncio? Umas vezes é ouro, outras veneno. Tal como a indiferença. Só as circunstâncias nos deixam ver as diferenças.
Quanto a tropeçar, é o risco mais óbvio para todo o ser que se locomove. E, mesmo assim, ele vai fazendo o seu caminho...
Não sou relativista porque sim, mas tudo é relativo salvo a vida e a morte.
Quando o sol nasce, outras perspectivas se abrem. E assim deve ser...
Beijinho! :-)

Special K disse...

Meu amigo depois de todos estes anos de democracia continuamos o mesmo país mesquinho e provinciano.
O maior exemplo até vem de cima com a mediocridade geral da nossa (falta de)classe política.
Um abraço.

RIC disse...

Olá Paulo!
Estes trinta e poucos anos de democracia têm muito que se lhes diga... Sobretudo, na minha opinião, no que diz respeito àqueles e àquelas que deveriam ter desempenhado um papel bem mais interveniente e influente e... pura e simplesmente... saíram pela porta das traseiras... Imperdoável!
E a classe política de hoje não é mais do que mais um espelho dessa demissão.
Um abraço! :-)

Anónimo disse...

Esta tua analise sobre a nossa triste realidade, fez-me pensar e cimentar a ideia de que não podemos realmente viver desta forma. Existem determinadas coisas que mexem com nós todos e que tem de existir uma solução. Porquê estar sempre a aguentar, basta.
Abraço

RIC disse...

Olá Bernardo!
Como em muitas outras situações, liderança é fundamental.
Entre nós, em vez de essa liderança ser exercida por quem tinha realmente um contributo a dar para a absolutamente necessária mudança de mentalidades, ela tem sido «tomada de assalto» por mil e um oportunistas, os ditos «chicos-espertos», que não só se governam como nos contaminam com a muita porcaria que têm na cabeça.
Basta ver um notíciário na televisão para nos darmos conta do tempo de antena obsceno que é dado a todos estas c*brões...
Assim, não vamos a lado nenhum, porque não é só o dinheiro líquido que conta...
Abraço! :-)