Retrato de um Portugal mesquinho e ingrato
Ontem à noite, quando já mal prestava atenção ao Telejornal da RTP1, eis que a notícia me cai em cima, esmagadora. Senti um arrepio percorrer-me o corpo, não pelo conteúdo da mesma, mas porque ainda não há muito me ocorrera a ideia - então sem qualquer motivo - de que algo de menos bom estaria a prejudicar Belgais. Por pessimismo não foi de certeza. Desde o início que considerei a atitude de Maria João Pires muito louvável, ao lançar um projecto daquela envergadura em região tão desamparada. Trocar Paris por Belgais poderá não ter sido sacrifício nenhum para a pianista, mas o facto de pretender dinamizar culturalmente a Beira Interior que de certo modo adoptara ao ter adquirido a quinta só pode ser entendido como um acto de generosidade e de altruísmo.
Sete anos depois, o projecto está bloqueado. Ou mesmo morto. E porquê? Quem duvida que foi mesquinhamente boicotado pelos omnipresentes invejosos que já nem os próprios poderes oficiais se envergonham de acobertar? Logo no governo de António Guterres se ficara a saber que o relacionamento da pianista com as entidades políticas não seria dos melhores. Ei-la agora em terras de Vera Cruz, para se radicar em Salvador da Baía. Ainda não acredito!
Portugal, perdeste toda a vergonha! Não tens emenda!
Por que obscuras razões é o português tão mesquinho e invejoso? Ignorará o ditado que reza que «nunca o invejoso medrou nem quem ao pé dele morou»? Há dias em que sinto uma profunda vergonha de ser português. Hoje é um deles. e as razões sobejam. Dias em que sinceramente desejo que este mísero país se afunde de vez nas profundezas do Atlântico, para que nunca mais se ouça falar de um povo que, a espaços, consegue ser mais imbecil que a própria imbecilidade. Dias em que me apetece chorar de vergonha, de desespero e de raiva por ver partir todos aqueles que nos têm engrandecido - eles sim - aos olhos do Mundo.
E os que por cá ficam vão remoendo entre dentes as suas raivazinhas e despeitos. É mais uma vez a inveja nefanda que os move, por não terem de todo o gabarito daqueles que, não se sentindo aqui tratados como deveriam, são acolhidos, acarinhados e reconhecidos em terras estrangeiras. Quem quer ser lembrado de, por exemplo, Jorge de Sena? Ou José Saramago? Ou Paula Rêgo? Ou... São tantos...
Acredito hoje que poderei vir a sentir uma irremediável vergonha de ser português, o que até há bem pouco tempo jamais me passara pela cabeça. Sei que será então tarde demais para arrepiar caminho e que tudo estará perdido. Mais uma vez, é verdade: «Coragem, Portugueses! Só vos faltam as qualidades!» E que venha agora o primeiro bem-pensante atirar-me em cara que isto são tiradas à Velho do Restelo! Explicar-lhe-ei, ainda assim com toda a bonomia, como ler Os Lusíadas sem recorrer a medíocres caderninhos editados para fazer dinheiro fácil, aliás, o actual supremo anseio de (quase) todo o português.
A Maria João Pires só poderei, naturalmente, desejar o maior sucesso!
ACTUALIZAÇÃO - Em declarações públicas sobre o «caso Maria João Pires», a Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, limitou-se a referir os montantes com os quais o Estado vinha a participar no projecto de Belgais desde 2004.
Mais uma vez, dinheiro, mais dinheiro e só dinheiro. Será que hoje em dia não há já lugar para mais nada - nem mesmo numa argumentação que se pretende séria - que não seja o vil metal? Se as declarações da pianista são assim tão «desviantes e infelizes», onde estão os argumentos que nos convençam cabalmente? Que vil tristeza...
2 comentários:
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J
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J
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