Queixa das Jovens Almas Censuradas
Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
Mais um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma de uma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios despovoados
De personagens de assombro
Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
Um avião e um violino
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida, nem é a morte.
• "Mudam-se Os Tempos, Mudam-se As Vontades", 1971
• "O Nosso Amargo Cancioneiro", 1972
… Para que as memórias não pereçam nunca!
RIC
terça-feira, 17 de julho de 2007
II. ... E Zé Mário Branco dá-nos Natália Correia
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14 comentários:
É poderoso. O génio musical do é Mário Branco, aliado ao génio da Natália.
Um casamento perfeito, diria mesmo, mais-que-perfeito.
Abraço.
Olá querida Karla!
Obrigado pela visita!
A ideia do videoclipe também não é inocente: sem distracções visuais, o poema ganha profundidade e a música e a voz do Zé Mário destacam-se em grande estilo! Adorei!
Grandes portugueses!
Beijinho! :-)
Olá João C.!
Estava a começar a ficar cansado, farto e enojado de tanto «pequeno-burguesismo» e de tanta «nova-riquice» que são a tónica deste Portugal - afinal, sem sucesso...
Há memórias que me recuso a deixar que seja quem for tente apagá-las!
Se acharem que isto é revolucionário (no sentido de 74, bem entendido), serei revolucionário! Com muito gosto!
Abraço, meu caro! :-)
Tive este poema num dos meus blogues durante a campanha para o referendo. Confesso que não conhecia a canção do Zé Mário Branco.
Infelizmente as memórias de 74 estão cada vez mais esquecidas. Se calhar estávamos a precisar de uma nova revolução e de uma nova democracia.
Atenção quando falo em nova democracia não tem nada a ver com o Manuel Monteiro, livra!
Olá Paulo!
Entendi perfeitamente! Não era necessário esclarecer! Rsrsrs!
É, também me parece que a nossa democracia precisa, de algum modo, de ser refundada e refundida! Com ou sem revolução (ou o que se possa hoje entender por tal...), o importante é encontrar um caminho e um sentido novos.
Com a dita globalização, se calhar teremos de esperar que os podres da Casa Branca tresandem tanto que os americanos finalmente se dicidam a meter aquele espantalho simiesco atrás das grades, que é o lugar aonde merece ir parar!
Abraço! :-)
Olá!
Via Special K descobri este blogue. Muito , muito bom. Vou voltar ( muitas vezes, ai os trabalhos atrasados...
E subscrevo em absoluto os comentários anteriores. Estamos a precisar de recordar algumas coisas...tenho (re) lido alguns poemas e romances dos anos 60,70... e cada vez aquilo faz mais sentido...um sentido que não devia fazer. A memória de um povo é tão curta...
Abraços!
Olá... S.M.!
Muito sugestivas, estas iniciais!... Espero que sejam isso mesmo: iniciais apenas! Rsrsrs!
Sejas bem-vinda! Muito obrigado pelo entusiasmo! Mas atenção, que isto visto como trabalho a ser feito torna-se enfadonho... Devagar que tenho pressa, não é?
Dizes que o sentido que esses poemas e romances faziam então, não deveriam fazer hoje? Pois não, com o 25 de Abril pelo meio, não deveria de todo... Tens razão quanto à memória, mas a verdade mais vasta e concreta é que ninguém se preocupou com passar essas memórias. Entretanto, fica tudo muito escandalizado porque os mais jovens não sabem sequer o que foi o 25 de Abril. Nada surge por geração espontânea! Se queremos frutos temos de os semear!
Um abraço! :-)
Muito bonito mesmoooooooo
Ó Ric... que bonito!
Cheio de garra e força...
Aproveito para deixar aqui meio em tom de confissão, que um dia gostaria de escrever um poema, que "vira-se" a letra de uma bela canção.
Abraço!
Olá Tongzhi!
É bonito o poema, é bonita a música, é bonita a interpretação do Zé Mário. E são bonitas as memórias...
Um abraço! :-)
Olá João M.!
Ainda bem que te agradou a ti também! Para mim, é um prazer enorme relembrar o que de melhor há entre nós.
Abraço! :-)
Olá Lampejo!
É isso mesmo, meu caro: cheio de garra e força!
Quanto ao teu desejo, talvez o melhor início seja tentar estabelecer contactos com gente do mundo da música e, a partir daí, nunca se sabe o que pode acontecer... Torço para que consigas!
Abraço! :-)
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