De 1972 data o meu primeiro contacto com a obra de Pessoa, através de "O Menino de Sua Mãe", à época um poema subversivo, só anos depois vim a sabê-lo. Também então havia professores que não se vergavam ao poder dos ignaros imbecis…
Em 1975 comecei a saber distinguir as diversas faces do Poeta, ainda de forma incipiente, mas o suficiente para começar a perceber o diálogo constante entre ortónimo e heterónimos. E o gosto foi crescendo à medida que me ia apercebendo de como "tudo aquilo", afinal, encaixava na perfeição.
Em 1979 foi a revelação. Total e absoluta. Tive o privilégio de ser conduzido através do universo do Poeta pela mão de alguém que tem o condão de o tornar quase transparente, tão perceptível e ao mesmo tempo tão distante e complexo como alguém com quem convivemos diariamente e, mesmo assim, temos sempre a vívida sensação de que jamais chegaremos a conhecê-lo minimamente.
Porque ele é como aquelas bolas de espelhos das discotecas, cintilantes e perturbadoras, multifacetadas e rodopiantes, emitindo reflexos simultâneos em todas as direcções.
É esta personalidade dramática, no sentido de teatral, que aprendi a apreciar e a manter sempre junto de mim pela mão da pessoana poetisa, dramaturga e professora de Literatura que é Teresa Rita Lopes. Obrigado.
Hoje, à distância de trinta anos dessa fantástica viagem que foi essa inesquecível iniciação, homenageio aqui três mestres de uma vez: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Teresa Rita. Devo ainda acrescentar um quarto elemento (e, pelo caminho, um quinto...): José Saramago, que dedicou o seu melhor romance de sempre a Ricardo Reis, e Antonio Tabucchi, o italiano mais português.
Bem hajam por me darem um mundo onde sou sempre mais português.
Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.
Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,
Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza…
À beira-rio,
À beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.
O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.
Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.
Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.
Girassóis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.
Ricardo Reis
12 de Junho de 1914
[Obras de Fernando Pessoa (poética e em prosa)
Introduções, organização, biobibliografias e notas de
António Quadros e Dalila Pereira da Costa,
vol. I, pp. 806-8, Lello & Irmãos – Editores, Porto, 1986]
RIC
14 comentários:
Admiro imenso Teresa Rita Lopes. O seu trabalho é fantástico! E puxando um pouco a «brasa à minha sardinha», é uma mulher de uma beleza estonteante.
Gosto particularmente de um livro de poemas dela. A fímbria da fala.
" Só como alívio é bom a solidão/só como intervalo o silêncio agrada/ Assim somos feitos:A Preto e Branco".
Obrigada Ric, por falares TAMBÉM
em Teresa Rita Lopes!
Uma excelente semana para ti!
Beijinhos! :-)
(O pessoal foi todo de férias? )
Olá querida Carla!
Mais uma vez, supreendes-me! Que bom! Fico muito contente por a conheceres ou, pelo menos, ao seu variadíssimo trabalho.
Pois então imagina-a nos finais de 70!... Aquelas aulas eram sagradas, por que eram tudo o que se possa ter de melhor! Além de belíssima, é de uma simpatia contagiante e de uma simplicidade elegante e natural! Um fascínio no convívio.
Conheço bem «a fímbria da fala»... Como o mundo é mesmo pequeno... Bem, neste caso, ainda bem!
Para ti também, óptima semana!
Beijinhos! :-)
(Se calhar, foram... Preocupados com a CML é que não devem estar... A propósito, grande Helena Roseta! Toma lá qu'é democrático!)
Adorei seu blog ... ótimos textos ... grande abraço !!!!!!!!!
(=^.^=)
HOTSPOT FORTALEZA
http://hotspotfortaleza.blogspot.com/
Olá... HF!
Não me parece que esta seja a melhor maneira de promoveres o teu blogue, mas... tudo bem...
Muito obrigado!
Abraço!
Caro Ric
tu, e a Carla, por arrastamento vão sovar-me, mas quem a verdade confessa...
Já tinha ouvido falar de Teresa Rita Lopes, ligava-a vagamente às letras e...mais nada.
Agora aguçaste-me o apetite.
Abraço.
Olá João C.!
Bem, o máximo que eu possa ter feito foi ter-te despertado a curiosidade e o interesse! Não me parece que «apetite» venha aqui muito a propósito...
Quanto à solução, parece-me fácil: é conhecer alguma da sua poesia e, como gostas de teatro, tentar encontrar algumas das suas peças. Creio que algumas estão publicadas e acessíveis, o que vai sendo cada vez mais complicado...
Uma boa semana!
Abraço! :-)
Eu sou mais prosa, confesso. Muito mais prosa. Aliás, quase exclusivamente prosa. Reconheço, sem dúvida, os valores maiores da poesia no nosso país, mas se calhar sou eu que não tenho sensibilidade suficiente para a poesia dos nossos e (e de outros) poetas. A poesia, para mim, insinua-se muito mais noutros escritos. :)
Boa semana.
Hello Lisbon...Hello Portugal
Christchurch calling.....and here are the points from the New Zealand televotes....
RIC, douze points!
Merci et bon nuit de Nouvelle-Zelande.
Thanks for your votes. I have recorded my votes but i wont publish them until the last minute.
Abraco meu amigo Ric
Kev na NZ
Olá João M.!
Creio bem que te compreendo perfeitamente, meu caro. Em relação à poesia, acabo por me cingir a uns quantos vultos geniais - homens e mulheres - e daí não consigo sair. Hoje em dia, é-me muito difícil «circular» pela nossa poesia mais recente. E acabo também - é muito curioso que o tenhas afirmado! - por encontrar o discurso poético que mais me agrada disperso por narrativas várias, por vários subgéneros, pela chamada «prosa poética» (que me parece um pouco abandonada...).
Não creio, porém, que isso signifique uma menor sensibilidade, mas apenas uma sensibilidade diferente.
Obrigado por estas palavras! Fizeram-me pensar em coisas que estavam dispersas na minha mente.
Boa semana para ti também!
Abraço! :-)
Olá Kevin!
Lol!!! Le jury portugais, réuni chez Ric, t'en remercie beaucoup pour les douze points! C'est très gentille! Lol!
Je souhaite que tu aies beaucoup de votants au concours où et le Portugal et la Nouvelle Zélande sont si bien repr+esentés!
Boa noite e bons sonhos (dreams)!
Um abraço, meu amigo! :-)
Não conheço a Teresa Rita Lopes mas conheço o "Mestre" e os seus geniais heterónimos.
Um abraço
Olá Paulo!
Eis a resposta inteligente que tudo diz! Obrigado! Afinal, é Pessoa o centro deste édito.
Mais um excelente elemento que nos é comum. Que bom!
Abraço! :-)
Hi! Ric,
Infelizmente não tive uma mestre ainda no colegial como Tereza Lopes para me iniciar em tão rica literaura pessoana, e cuando me apareceu um Lopes na faculdade, digo um professor, empurrou-me antes de um ortônimo os muitos heterônimos de pessoas! Ainda bem que já lia algumas poesias dele antes. Esta que publicaste é de uma grandeza incomparável. Grande Pessoa!!!
Olá meu caro Nilson!
Tens razão, meu amigo, foi de facto um privilégio ter sido discípulo de tão excelente Mestra ao longo de vários semestres (quatro, pelo menos, se não me engano).
Muito curiosamente - e muito correcta também -, a tese de Teresa Rita Lopes é a de que toda a obra pessoana é «um drama em gente» que o Poeta encenou ao longo de toda a sua vida. Partindo daqui, torna-se mais compreensível a existência de todas as personalidades poéticas e os diálogos que todas elas travam entre si.
Pois é, mas quando temos menos sorte com os professores, temos de ser nós a procurar os melhores caminhos... O que nem sempre é fácil, é verdade!
As odes de Ricardo Reis são de facto muito belas e muito profundas. Encerram toda uma sabedoria milenar.
Ainda bem que gostaste!
Um abraço! :-)
Enviar um comentário